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E você, sabe até onde vão as ‘fake news’?

Num mundo onde há cada vez mais informação, os cidadãos estão, contraditoriamente, cada vez menos bem informados, ou mesmo mal informados, com uma torrente de notícias que surge literalmente do nada.

Com a crise dos meios tradicionais de comunicação social e o desenvolvimento das redes sociais, a disseminação das chamadas notícias falsas, ou falseadas, ou falsificadas, se quisermos ser mais rigorosos e não utilizar o termo em inglês com que entraram no léxico transnacional (as 'fake news'), chegou ao ponto de as fazer ter repercussão direta em todos os setores da sociedade, nomeadamente na política, na segurança ou na saúde.

Todos nós somos capazes de nomear casos em que os conteúdos falsos fizeram dano e, em alguns casos, levaram mesmo à morte de pessoas, quando através das redes se difundiram informações que suscitaram o ódio de multidões contra elas; ou que falaram de fantásticos e milagrosos produtos para curar doenças ou ganhar melhor figura e acabaram por provocar outras doenças ou sequelas irreversíveis - sabendo-se que as notícias sobre saúde são precisamente as mais procuradas na Internet.

É política!

Mas será talvez na política que, nos últimos tempos, os conteúdos falsos causaram mais mossa. Não porque o fenómeno em si seja novo - e não falamos aqui da simples e vulgar propaganda com que desde sempre os futuros eleitos brindaram os eleitores - mas porque o desenvolvimento das redes sociais e o uso cada vez maior da informação digital o tornam mais suscetível de atingir mais pessoas, mais potenciais eleitores.

Não é preciso ir muito longe para lembrar os exemplos recentes da eleição do Presidente americano, Donald Trump, onde este tipo de conteúdos teve uma importância particular na sua vitória, do referendo a favor do Brexit ou da eleição do Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro. O fenómeno não é, obviamente, responsável pelos resultados eleitorais, mas contribui para o enviesamento das convicções dos cidadãos, sendo determinante para a sua escolha.

Esta nova relação, a tão grande escala, altera o sentido da democracia em que queremos viver. E não se sabe o que é pior: se um mundo em que as pessoas acreditam em mentiras, ou um mundo em que se recusam a acreditar na verdade, por impossível de descortiná-la, por descrença ou desconfiança.

Diz um estudo do Massachussetts Institute of Technology que os conteúdos falsos de natureza política se propagam mais profunda e largamente, tocam mais gente e são mais virais que as outras categorias de 'fake news'. Mais: essa propagação é feita três vezes mais rapidamente do que as outras. Também se sabe que as pessoas de mais idade as divulgam com mais frequência do que em outros níveis etários (Reuters Institute). Há quem apresente justificações para isso, ou porque este grupo etário é mais afetado por alguma "iliteracia informática", ou porque confia mais em quem lhe remete a informação, ou porque... verdadeiramente não se sabe.

A questão é que os conteúdos falsos dirigidos diretamente a políticos, ou a propósito de políticas, são cada vez mais disseminados e, como se viu, mais ainda em tempo eleitoral, como este que se avizinha em Portugal e na Europa.

De volta ao básico

Com as eleições europeias à porta, a Comissão e o Parlamento Europeu já fizeram advertências e apelam à tomada de medidas. São um primeiro caminho. Não estamos aqui a discutir propriamente o que os deputados ou Estados devem ou não fazer.

Sabemos que as sociedades no seu todo têm de refletir sobre isto e tomar medidas. Aprender com bons exemplos lá fora e precaver-se. Há Estados que são acusados de interferir diretamente na política interna de outros, para o que se deve estar prevenido a vários níveis.

As eleições legislativas serão outro ponto alto da vida política portuguesa este ano, outro momento, portanto, de maior vulnerabilidade. Não é por Portugal estar aparentemente mais distante de alguns fenómenos que se lhe torna imune, como se verifica por alguns exemplos já ocorridos.

Os jornalistas estão na primeira linha deste combate, sendo ao mesmo tempo os primeiros alvos a abater. Acreditamos profundamente que o jornalismo sério e a credibilidade dos jornalistas são o último bastião de uma informação verídica, sujeita ao contraditório e aos processos de verificação que regem a profissão. Os jornalistas estão conscientes de como é difícil, até para eles mesmos, detetar uma informação falsa ou evitar ser instrumentalizados.

Se calhar, independentemente dos instrumentos que já existem à disposição de qualquer um para detetar conteúdos falsos, não existe mesmo outro meio mais eficaz do que voltar ao básico e aplicar as velhas regras do jornalismo: verificar, verificar sempre, fazer o contraditório, ser implacável na procura dos vários "que" norteadores da nossa profissão: quem, o quê, como, quando, onde e o porquê, já agora.

As 'fake news' podem ser crime, mas ainda não têm castigo. E o facto de se terem tornado um negócio, que rende e vale milhões à medida dos cliques, deve alertar-nos para que nem tudo vale tudo. Conteúdos falsos, ou modificados, ou descontextualizados, tudo serve de engodo de muitos para conforto de alguns. Algures, muitas vezes indetetáveis.

Uma conferência de todos

Com o seu rigor, as agências de notícias têm um papel de vanguarda no combate às 'fake news' e também uma especial responsabilidade, na medida em que cada notícia que fazem se difunde a uma escala difícil de medir.

É, pois, neste sentido que a Agência Lusa vai realizar em Lisboa, no dia 21 de fevereiro de 2019, uma conferência subordinada ao tema "O Combate às 'fake news' - Uma questão democrática" - como detetá-las e combatê-las, numa iniciativa em parceria com a sua congénere espanhola, a agência de notícias EFE. Debateremos o assunto com especialistas, juristas, jornalistas e 'insiders', operacionais. Realizaremos uma 2.ª conferência em Madrid, ao longo de 2019.

Esperemos que este debate seja um contributo - um pontapé na bola para que mais e melhor se reflita sobre este assunto. E que, porventura, nasça alguma cooperação para nos ajudar a todos, enquanto jornalistas e enquanto cidadãos, a debelar um fenómeno que pouco a pouco vai corroendo as nossas sociedades. É uma questão democrática, em boa verdade.

Luísa Meireles