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Carme Artigas: Tentativa da desinformação é fazer não confiar em nada

epa11011761 Spain's Secretary of State for Digitalization Carme Artigas Brugal (L) speaks to the media next to Spain's Secretary of State for Telecommunications and Digital Infrastructures Maria Gonzalez Veracruz at the start of the EU Telecommunications Council in Brussels, Belgium, 05 December 2023. The ministers will discuss a general approach on measures to reduce the cost of deploying gigabit electronic communications networks, aiming to lower the unnecessarily high costs of the electronic communication infrastructure deployment.  EPA/OLIVIER HOSLET

Lisboa, 19 mai 2024 (Lusa) - A copresidente do Conselho Consultivo de Alto Nível da ONU para a Inteligência Artificial Carme Artigas considera, em entrevista à Lusa, que tentativa de desinformação é fazer com que as pessoas não acreditem em nada.Carme Artigas, que foi secretária de Estado da Digitalização e da inteligência artificial (IA) em Espanha, foi uma das oradoras do 33.º Congresso da APDC, que decorreu em Lisboa.
A desinformação, diz, não chegou com a IA generativa, "nem mesmo com a inteligência artificial".
As tentativas de "minar a reputação de alguém sempre existiram, contudo a escala do impacto e a capacidade de alcance" agora é que "é grande e com a IA generativa o que acontece é que é difícil distinguir o que é verdade".
"Digo sempre que o risco existencial mais importante para a humanidade [...] é ficarmos loucos porque não conseguimos acreditar no que vemos" e "essa é a verdadeira questão: confiança. Há uma falta de confiança", sublinha Carme Artigas.
E nesse sentido, a "tentativa da desinformação não é vender uma mentira em que acredite, isso não é verdade", mas sim que "não se confie em nada".
Portanto, "a tentativa da desinformação é minar as infraestruturas existentes e os valores democráticos da sociedade onde vivemos hoje", reforça.
As redes sociais têm de colocar um rótulo quando algo é gerado por IA, de acordo com a lei, o que é "algo muito importante", já que fica transparente para todos.
"Acho que é muito importante, mais do que nunca, o papel dos media [...], acho que a responsabilidade dos media sérios não é apenas tratar das formas de verificação [dos factos], é também não amplificar o discurso de ódio ou de desinformação por causa do 'clickbait'", defende.
Reconhece que os media enfrentam um grande desafio, já que o setor não é rentável. Isto porque "perderam a batalha da atenção a favor das plataformas, perderam a batalha" das receitas publicitárias "a favor da Google ads", o que é um risco para o setor.
"Precisamos de media rentáveis para que possam continuar independentes" e, nesse sentido, o Media Act - lei europeia dos media - "é muito importante".
"Estes são os desafios de hoje, pelo menos estamos conscientes deles", prossegue, dizendo estar "mais confiante hoje do que há quatro anos".

 

Tecnologia está a mudar a natureza e equilíbrio do poder

Carme Artigas admite também, na entrevista à Lusa, que a tecnologia está a mudar a natureza e equilíbrio do poder.
Questionada se o mundo corre o risco de ficar dividido face à 'guerra' tecnológica que se assiste, Carme Artigas começa por dizer que o "desafio não é apenas ao nível comercial":
"A tecnologia está mudar a natureza do poder e está a mudar o equilíbrio de poder entre países que têm material específico, capacidades específicas e países que não têm, mas de intervenientes não governamentais, como as 'big tech', que têm ainda mais poder."

Nesse sentido, "este é o desafio" e a tecnologia e a geopolítica estão "muito bem integradas", continua a responsável.
A competição por talento, por exemplo, é uma realidade, "e podemos lutar por isso se competirmos".
Contudo, "não podemos competir por segurança nem pelos Direitos Humanos", salienta a copresidente do Conselho Consultivo de Alto Nível da ONU para a Inteligência Artificial.
E sobre isso é preciso conversar, defende.
"Podemos competir pela quota de mercado, mas não podemos competir sobre os Direitos Humanos" porque "não se pode competir contra algo que é contra a sociedade" e "este é o ponto".
Sobre a falta de diversidade que existe por trás de quem desenha a IA, Carme Artigas refere que é algo que já existia com a 'machine learning' ou 'deep learning, que tem a ver com a justeza na inteligência artificial.
Em 2022, quando a IA generativa veio à tona, voltou-se a discutir de forma mais intensa os riscos associados, como a justiça e os riscos de segurança, como também as questões de género (mais homens a trabalhar nos algortimos que mulheres), mas também geográficas que atravessa "diferentes setores sociais".
A IA também traz oportunidades para a inclusão como o acesso à saúde pública, educação, entre outros.
Carme Artigas sublinha que há uma parte do mundo "que não tem acesso à Internet", um problema patente no grupo de países do Sul Global.
"As Nações Unidas são a plataforma certa pra falar de multilaterlismo" e dar voz ao Sul Global, já que "não têm voz em qualquer outro fórum criado à volta da IA", salienta.
Já sobre a regulação europeia de IA, Carme Artigas considera que isso abriu caminho para se começar a falar de regulamentos.
Porque até agora era deixar "ir com a corrente, deixar a indústria resolver os problemas que tinham criado". E, quando ninguém estava a olhar para isso, a União Europeia estava a pôr o tema em agenda, diz, referindo-se a junho de 2021.
Agora "todos estão preocupados com a sua regulação", sublinha.
"Na Europa, além da regulamentação do ponto de vista técnico e do risco, introduzimos o conceito que é muito poderoso: estamos também preocupados com o risco futuro da IA em termos de saúde e segurança e, como atribuímos o mesmo peso aos direitos fundamentais, isto é algo que queremos refletir no nível de reconhecimento", salienta a ex-governante espanhola.
"Precisamos chegar a uma base internacional onde coisas básicas como Direitos Humanos ou direito internacional. Não podemos deixar a IA desenvolver colocando em risco esses acordos fundamentais", alerta.

 

Proibir uso da IA para manipular vontade humana 

Na lei europeia "demos especial atenção aos direitos fundamentais", reforça.
"Para mim, o valor mais importante da IA é o Capítulo 5", que diz respeito às proibições.
Pela primeira vez, "estamos a dizer ao mundo, embora isso seja tecnicamente viável, não queremos que isso aconteça e isso significa proibições" como a atribuir 'social scoring' [sistema de pontuação] que exise na Ásia.
Outra das proibições é o uso da IA para manipular a vontade humana, que também pode ter uma relação com desinformação.
"Não queremos que a IA use dados biométricos para discriminar as pessoas", aponta.
No fundo, a lei europeia sobre IA "não é apenas uma norma tecnológica ou jurídica, é um padrão moral" e "penso que essa foi a melhor contribuição", conclui.

 

Alexandra Luís