ENTREVISTA: Migrações: Da Cortina de Ferro à Cortina de Arame Farpado
*** Patrícia Cunha, da agência Lusa ***
Lisboa, 17 nov 2024 (Lusa) -- Fronteiras fechadas e novos muros foram consequências do 11 de setembro nos Estados Unidos, mas também uma arma desenvolvida pela Rússia para desestabilizar a Europa, defende o professor de geopolítica Klaus Dodds, da Universidade de Londres.
Em entrevista à agência Lusa, Dodds, que lançou no ano passado o livro "Guerras de Fronteira: os Conflitos que Definirão o Nosso Futuro", considera que o impulso de voltar a apostar em fronteiras seguras aconteceu depois do ataque terrorista às Torres Gémeas dos Estados Unidos, em setembro de 2001.
Embora esta reação seja compreensível, Klaud Dodds adianta que houve quem se aproveitasse dessa emoção como arma política.
"A Rússia procura aumentar as tensões sobre a migração e encorajou deliberadamente os migrantes a exercerem pressão nas fronteiras da UE, como as da Noruega, Finlândia e Polónia", acusa, acrescentando que "o uso da desinformação é outro mecanismo para tornar as 'fronteiras' altamente emotivas".
Se a partir de 1989, quando o muro de Berlim e a chamada 'Cortina de Ferro' caíram, nasceu a esperança numa Europa de livre circulação, hoje o continente parece estar a construir uma "cortina de arame farpado", aponta o académico.
"O otimismo associado às fronteiras abertas da década de 1990 deu lugar a impulsos de securitização pós-11 de setembro e isto intensificou-se na sequência de guerras civis e crises humanitárias que afetaram a África, a Ásia Central e o Médio Oriente", afirma.
Ainda recente, o sonho de 'Schengen', concretizado em 1985 sob a ideia de uma Europa livre de fronteiras, manteve a segurança num nível digital ou virtual, com mais exigências e restrições sobretudo nos aeroportos, mas sem recurso a paredes físicas.
"A grande mudança no sentido de erguer muros em vez de os derrubar na Europa aconteceu a partir de 2015, quando a crise síria levou a União Europeia a acreditar que existia também uma 'crise migratória' na Europa", aponta o professor de geopolítica.
A ideia de voltar aos muros já tinha surgido quando, no ano anterior, a Rússia invadiu a Crimeia e voltou a ser uma ameaça real para a Europa.
Depois veio a "instrumentalização dos fluxos de refugiados" idealizados pelo regime do Kremlin e aplicados pelos seus aliados na vizinhança da União Europeia.
Em 2023, em toda a Europa, da Finlândia à Grécia e da Ucrânia a França, existem 17 muros. Mais de 2.000 km de muralhas que representam 15,5% das fronteiras terrestres da Europa.
No final do século XX os muros fronteiriços representavam 1,7% da fronteira externa do continente.
A expansão da ideia tem sido rápida.
Há três anos, em outubro de 2021, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, prometeu que o bloco não iria canalizar fundos europeus para a construção de muros, mas o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, admitiu "ser legalmente possível".
E tal como em novembro de 1989, uma pergunta simples como "é possível...?" abriu uma enxurrada que já não pode ser controlada.
Há 35 anos, isso levou à derrocada do muro que separa a Alemanha ocidental da Alemanha de leste. Em 2021 levou vários países a pedir fundos europeus para a construção de muros.
Um estudo publicado há quatro meses indica que o orçamento para a gestão de fronteiras e vistos na União Europeia aumentou 45% entre o período de 2014-20 e 2021-27 para cerca de 6,2 mil milhões de euros, espelho da "crescente ênfase da União Europeia em reforçar a gestão e o controlo das suas fronteiras".
Segundo a análise, os Estados têm gasto (ou planeiam fazê-lo) este orçamento em controlos mais sofisticados das suas fronteiras.
"A Estónia, a Grécia, a Hungria, a Itália, a Polónia, a Roménia e a Eslováquia estão a investir em novos veículos equipados com câmaras térmicas integradas, comunicação via satélite e sistemas de identificação por raio-x", enquanto na Lituânia, os recursos da UE permitirão "a aquisição de um detetor de busca fixo para pessoas escondidas em veículos", avançam as organizações responsáveis pelo estudo.
A Estónia, refere ainda, planeia gastar 2 milhões de euros em sistemas móveis de deteção remota para melhorar a vigilância nas áreas fronteiriças onde não é economicamente viável construir muros e a Polónia quer apostar em sistemas de deteção de luz em torres de observação, alarmes, dispositivos portáteis de visão térmica e noturna, câmaras de segurança ativadas por movimento nas fronteiras com a Rússia, a Bielorrússia e a Ucrânia.
Por seu lado, a Croácia, a Lituânia, a Espanha e também a Polónia adquiriram ou estão em vias de adquirir cães farejadores para auxiliar os guardas de fronteira nas patrulhas.
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