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ENTREVISTA: Tecnologia está a mudar a natureza e equilíbrio do poder – Carme Artigas

*** Alexandra Luís, da Lusa ***



Lisboa, 19 mai 2024 (Lusa) - A copresidente do Conselho Consultivo de Alto Nível da ONU para a Inteligência Artificial Carme Artigas admite, em entrevista à Lusa, que a tecnologia está a mudar a natureza e equilíbrio do poder.


Questionada se o mundo corre o risco de ficar dividido face à 'guerra' tecnológica que se assiste, Carme Artigas começa por dizer que o "desafio não é apenas ao nível comercial".


"A tecnologia está mudar a natureza do poder e está a mudar o equilíbrio de poder entre países que têm material específico, capacidades específicas e países que não têm, mas de intervenientes não governamentais, como as 'big tech', que têm ainda mais poder", refere a antiga secretária de Estado da Digitalização e da inteligência artificial (IA) em Espanha.


Nesse sentido, "este é o desafio" e a tecnologia e a geopolítica estão "muito bem integradas", continua a responsável.


A competição por talento, por exemplo, é uma realidade, "e podemos lutar por isso se competirmos".


Contudo, "não podemos competir por segurança nem pelos Direitos Humanos", salienta a copresidente do Conselho Consultivo de Alto Nível da ONU para a Inteligência Artificial.


E sobre isso é preciso conversar, defende.


"Podemos competir pela quota de mercado, mas não podemos competir sobre os Direitos Humanos" porque "não se pode competir contra algo que é contra a sociedade" e "este é o ponto".


Sobre a falta de diversidade que existe por trás de quem desenha a IA, Carme Artigas refere que é algo que já existia com a 'machine learning' ou 'deep learning, que tem a ver com a justeza na inteligência artificial.


Em 2022, quando a IA generativa veio à tona, voltou-se a discutir de forma mais intensa os riscos associados, como a justiça e os riscos de segurança, como também as questões de género (mais homens a trabalhar nos algortimos que mulheres), mas também geográficas que atravessa "diferentes setores sociais".


A IA também traz oportunidades para a inclusão como o acesso à saúde pública, educação, entre outros.


Carme Artigas sublinha que há uma parte do mundo "que não tem acesso à Internet", um problema patente no grupo de países do Sul Global.


"As Nações Unidas são a plataforma certa pra falar de multilaterlismo" e dar voz ao Sul Global, já que "não têm voz em qualquer outro fórum criado à volta da IA", salienta.


Já sobre a regulação europeia de IA, Carme Artigas considera que isso abriu caminho para se começar a falar de regulamentos.


Porque até agora era deixar "ir com a corrente, deixar a indústria resolver os problemas que tinham criado". E, quando ninguém estava a olhar para isso, a União Europeia estava a pôr o tema em agenda, diz, referindo-se a junho de 2021.


Agora "todos estão preocupados com a sua regulação", sublinha.


"Na Europa, além da regulamentação do ponto de vista técnico e do risco, introduzimos o conceito que é muito poderoso: estamos também preocupados com o risco futuro da IA em termos de saúde e segurança e, como atribuímos o mesmo peso aos direitos fundamentais, isto é algo que queremos refletir no nível de reconhecimento", salienta a ex-governante espanhola.


"Precisamos chegar a uma base internacional onde coisas básicas como Direitos Humanos ou direito internacional. Não podemos deixar a IA desenvolver colocando em risco esses acordos fundamentais", alerta.


Na lei europeia "demos especial atenção aos direitos fundamentais", reforça.


"Para mim, o valor mais importante da IA é o Capítulo 5", que diz respeito às proibições.


Pela primeira vez, "estamos a dizer ao mundo, embora isso seja tecnicamente viável, não queremos que isso aconteça e isso significa proibições" como a atribuir 'social scoring' [sistema de pontuação] que exise na Ásia.


Outra das proibições é o uso da IA para manipular a vontade humana, que também pode ter uma relação com desinformação.


"Não queremos que a IA use dados biométricos para discriminar as pessoas", aponta.


No fundo, a lei europeia sobre IA "não é apenas uma norma tecnológica ou jurídica, é um padrão moral" e "penso que essa foi a melhor contribuição", conclui.



ALU // JNM


Lusa/Fim