ENTREVISTA: União de Jornalistas Russos rejeita “estereótipos” e nega fraqueza perante poder de Moscovo
*** José Augusto, da agência Lusa***
Moscovo, 28 abril 2024 (Lusa) -- Um representante da União de Jornalistas da Rússia contestou em declarações à agência Lusa a caracterização dos profissionais russos na imprensa ocidental, considerando que é marcada por estereótipos e rejeitando que sejam "macios" com o poder de Moscovo. "Quanto ao modo como a propaganda estrangeira apresenta o jornalismo russo nas páginas dos seus jornais, no Times, Bild ou Deutsche Welle, digo-lhe com toda a honestidade: pouco ou nada nos interessa! Não queremos perder tempo na luta contra estereótipos destes, que fazem parte da ordem do dia política da União Europeia", disse Timur Vladimirovitch em entrevista à Lusa.
O responsável pelas relações internacionais do organismo que representa 70 mil profissionais do jornalismo na Federação Russa apontou "uma armadilha estandartizada, muitas vezes usada pelos colegas do Ocidente".
"Lançam a tese, por exemplo, de que o jornalismo russo é 'macio' ou, então, que é 'duro'. Quais são os critérios para definir macio ou duro? Teremos que usar títulos como [o Presidente russo Vladimir] "Putin aldrabou toda a gente!" para sermos jornalistas 'duros'? Se respeitamos a carta ética da Federação Internacional de Jornalistas, somos considerados 'macios' por alguns dos nossos companheiros ocidentais. A única coisa que querem saber é porque não falamos mal de Putin. Enfim, trata-se de uma armadilha banal", acusou.
Questionado pela Lusa sobre as repercussões da invasão da Ucrânia na paisagem mediática da Federação Russa, com quase todos os meios de comunicação independentes banidos, bloqueados ou declarados "agentes estrangeiros" ou "organizações indesejáveis", Vladimirovitch salientou que "a censura militar é um conceito preciso" visível, por exemplo, em Israel, onde "existe o cargo estatal de censor militar".
"Na Rússia, porém, não existe censura militar", garantiu: "Alguém que me mostre um documento comprovativo da existência de censura militar no nosso país", desafiou.
"O que significa meios de comunicação social independentes? É uma pergunta que coloco, há anos, aos meus companheiros estrangeiros. E nunca recebi uma resposta satisfatória", assinalou.
"Essa imprensa que se implantou desde há muito fora da Rússia, que está a ser financiada por governos ocidentais, subsidiada pela União Europeia, pela Comissão Europeia, pelos Estados Unidos da América, por instituições locais, pelos governos da Lituânia, Polónia e de outros países, essa imprensa é independente de quem? Independente da Rússia? Sim, mas dependente dos EUA e dos governos e organizações mencionadas. Seria melhor reformular a pergunta: por que razão é que os meios de comunicação social financiados por Estados estrangeiros, no contexto da operação especial militar [designação adotada pela Rússia no início da invasão da Ucrânia, recentemente assumida como uma guerra], abandonaram a Rússia?", questionou.
Timur Vladimirovitch avançou "uma resposta clara: hoje em dia, a Rússia está sujeita a sanções muito duras, a uma pressão muito forte, a tentativas incessantes de acabar com ela para sempre da parte dos governos europeus e dos EUA, que sustentam, na ordem dos 99%."
"A nossa lei de 'agentes estrangeiros' é uma versão 'light' de uma lei norte-americana. Estamos perante dois pesos e duas medidas: dizem-nos que a lei serve bem o país deles, mas nós não devemos seguir o exemplo, adoptando-a", sublinhou o jornalista.
Só este ano foram detidos pelo menos 35 jornalistas na Federação Russa, segundo os Repórteres Sem Fronteiras, que colocam a Rússia no 166.º lugar (em 180 países) do seu 'ranking' de liberdade de imprensa, piorando nove posições em relação ao ano anterior, um número que levou Timur Vladimirovitch a procurar outro contraponto em países ocidentais.
"Muito gostava que me mostrassem estatísticas relativas a França ou a qualquer outro país ocidental", comentou o dirigente da UJR, referindo ter a certeza de que durante as "manifestações dos 'coletes amarelos' contra a política social [do Presidente francês] Macron, os números seriam mais significativos".
Acrescentou que "ainda antes da operação especial militar, em todos os rankings dos Repórteres Sem Fronteiras, num país tão bem comportado como a Arábia Saudita, que eu respeito, foi cortada a cabeça ao jornalista Jamal Khashoggi na embaixada da Turquia, com a concordância silenciosa do poder. Este país estava mais bem colocado do que a Rússia no que toca a liberdade de expressão. Ainda antes do conflito, a Ucrânia, que aprovou numerosas leis repressivas e limitativas do trabalho dos jornalistas, estava vários lugares à frente da Rússia em diversos itens desses tais rankings".
O dirigente da UJR, nascido em 1977 na capital do Azerbaijão, Baku, esforça-se por manter um "Programa Anti-Fake" diário, que se propõe combater a desinformação, e leciona na Universidade Estatal Linguística de Moscovo".
"A nossa tarefa essencial é unir em todos os sentidos a totalidade dos jornalistas russos. Dispomos de um serviço jurídico muito eficiente, temos uma 'linha vermelha' para ajudar a resolver qualquer conflito que surja entre os jornalistas e as estruturas do poder, entre os jornalistas e as entidades empregadoras ou autoridades locais", indicou.
A organização está fundamentalmente preocupada com a defesa da segurança dos jornalistas "que estão a trabalhar nas zonas quentes, como as Repúblicas Populares de Lugansk e Donetsk e nas regiões de Zaporijia e Kherson", salientou, referindo-se a zonas ocupadas pela Rússia desde a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022, e, no caso de Kherson, retomada posteriormente pelas forças de Kiev.
Sobre o papel dos jornalistas em contexto de conflito, considerou que "quando um actor começa a divagar sobre como conduzir o mundo, está a cometer um grande erro".
"Nós, jornalistas, pensamos como trabalhar, como melhor defender os nossos direitos. Não quero raciocinar como havemos de chegar à paz universal, ao bem universal. Primeiro, porque não é essa a minha actividade profissional. Segundo, ouvimos falar muito de segurança universal, bondade universal, paz na nossa Europa, na nossa casa europeia. Mas chega-se a um ponto em que o diálogo se torna tenso, e até amigos se zangam. Sei que há-de chegar o tempo da mesa de conversações, e dela para a paz", declarou.
Aos jornalistas portugueses, Timur Vladimirovitch recomendou que "neste vácuo informativo da União Europeia, saibam procurar a verdade com toda a segurança, mesmo que tenham de recorrer a meios alternativos".
JAY// APN
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