ENTREVISTA: Vencedora de prémio internacional critica falta de formação em literacia mediática

*** Paulo Resendes, da agência Lusa ***

Lisboa, 28 fev 2025 (Lusa) -- A falta de formação em literacia mediática é comum, por isso é necessário investir numa disciplina autónoma nas escolas, disse à Lusa a diretora do Notícias de Gouveia e vencedora do prémio internacional de jornalismo e literacia mediática do Festival 'Voices', Liliana Carona.

Para a jornalista vencedora na categoria 'resiliência local', o prémio significa o "reconhecimento internacional, que nem sempre sucede a nível local", acrescentando que o galardão, "por um lado destaca uma reportagem sobre a violência contras mulheres e por outro o trabalho desenvolvido com as várias iniciativas promovidas no âmbito da literacia mediática no Notícias de Gouveia".

"O 'Voices' como refere a organização 'não é apenas mais um festival. É um evento pioneiro que visa reformular a relação com a informação', nesta dualidade entre jornalismo e literacia mediática", disse Liliana Carona.

A reportagem que o festival destaca, com o título "Violência doméstica no distrito: taxas elevadas preocupam agentes locais" deve ser lida sobretudo pelos mais jovens "porque se os mais novos não estão informados sobre a violência que pode começar no namoro, ficam certamente mais expostos e vulneráveis", defendeu a jornalista. 

Liliana Carona "espera que os programas de literacia mediática possam resolver um problema que tem de ser tratado na raiz. A literacia mediática tem de entrar como disciplina efetiva nos currículos escolares e quanto mais cedo melhor", referiu.

A diretora do centenário salienta o desafio da mobilização nos projetos de literacia mediática que desenvolveu como 'In Press Cool' um programa de promoção da literacia mediática em jovens, através de sessões em sala de aula para explicar aos estudantes temáticas como as 'fakenews'.

"Alguns destes estudantes estão responsáveis por gerir a redes sociais do jornal, criando conteúdos que motivem a leitura e o interesse pela informação de qualidade", disse a jornalista.

Em 2022, o projeto 'O estagiário' direcionava-se para os alunos da Universidade Sénior para que pudessem realizar artigos jornalísticos, percebendo como funciona a dinâmica de um jornal e as suas rotinas.

A falta de recursos humanos e materiais impede a realização de mais projetos deste género, pelo que para Liliana Carona "o que se pode fazer é mesmo insistir na ponte com as escolas, apostando em formação e informação desde muito cedo. Para isso, é preciso tempo, dedicação, disponibilidade e resiliência", referiu.

Quando questionada sobre o futuro do jornalismo regional, a jornalista responde que a "imprensa regional não se tem ressentido com a crise dos órgãos ditos de cobertura nacional, porque no fundo o jornalismo regional está sempre em crise".

Neste sentido, "ofensas, insultos, 'fakenews', desinformação, não têm lugar nas redes sociais do jornal", disse Liliana Carona, acrescentando que, "num jornal de outra dimensão, com milhares de comentários, talvez fosse necessário uma reformulação da composição das redações e a criação de novos postos de trabalho, como um moderador das redes sociais".

Além disso, de acordo com a premiada, "a presença de mulheres nas redações da imprensa regional, nomeadamente em cargos de chefia, continua a ser um fenómeno raro. Quando em 2015 assumi a direção do jornal centenário Notícias de Gouveia, tive essa clara perceção, mais que a evidência dos números."

A jornalista pretende "continuar a fazer jornalismo livre de agendas e dos poderosos e contar as histórias que mais ninguém tenha observado". 

"Quando se tem boas gestões e administrações, há mais tempo e espaço para iniciativas de literacia mediática como as que elenquei no Notícias de Gouveia", concluiu a diretora. 

O festival 'Voices' é uma iniciativa da Federação Europeia de Jornalistas (FEJ), em parceria com a Comissão Europeia, que todos os anos elege ideias inovadoras e agentes de mudança (jornalistas, professores e outros) em torno dos temas do jornalismo e da literacia mediática.

Liliana Carona é a única portuguesa premiada, e vai receber o prémio hoje, numa cerimónia que decorre no Museu de Arte Contemporânea de Zagreb, capital da Croácia.

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