Falta “muito trabalho” para encontrar políticas europeias que unam todos os países contra a desinformação
Lisboa, 20 out 2023 (Lusa) - O investigador do Observatório da Comunicação Miguel Paisana considera que falta "ainda muito trabalho" para encontrar políticas europeias que "efetivamente unam todos os países no combate à desinformação".
Miguel Paisana, que é um dos investigadores do relatório sobre os aspetos políticos e jurídicos da desinformação em Portugal e Espanha, hoje divulgado, refere, à Lusa, que o documento "vem complementar o trabalho realizado em outros relatórios", nomeadamente o que foi lançado este ano este ano sobre o impacto estratégico da desinformação.
O relatório sobre os aspetos políticos e legais, elaborado pelo Observatório Ibérico de Media Digitais e da Desinformação, Iberifier, do qual a Lusa é parceira, aborda diretamente os aspetos políticos e legais da desinformação em Portugal e em Espanha, no contexto europeu.
"Uma coisa que o Iberifier nos tem mostrado é que Portugal e Espanha, apesar de serem países irmãos, são bastante diferentes no que toca ao sistema mediático, as dinâmicas do funcionamento dos media e também da própria confiança que as pessoas têm nos meios".
"Temos dados consolidados que mostram que a confiança dos portugueses em notícias é substancialmente maior que os espanhóis atribuem às notícias, em geral", salienta Miguel Paisana.
No entanto, neste relatório "temos um panorama bastante semelhante para os dois países: tanto Portugal como Espanha têm sido bastante proativos na construção e no debate em torno de uma estrutura legal, legislativa e até jurídica que reconhece os perigos da desinformação, os dois países foram bastante rápidos a adotar e a adaptar aquilo que são as 'guidelines' europeias" sobre como reagir a fenómenos desinformativos", aponta.
"Depois partimos para uma segunda conclusão que de facto esta adoção foi rápida e foi relativamente ágil, mas falta ainda ao nível comunitário a definição de uma estratégia mais concreta a nível europeu", considera.
Tanto Portugal como a Espanha são membros da União Europeia (UE) e "a desinformação, sobretudo nos campos onde tem mais impacto, que é no campo político, agora com a guerra e os conflitos armados, tem um impacto a nível europeu".
Por isso "é importante perceber qual é, num continente e numa União tão diversa como é esta de que nós fazemos parte, o impacto que a desinformação tem" quando toma forma em diferentes línguas, formatos e plataformas, comenta o investigador.
O relatório tem duas partes, uma primeira em que é analisado o enquadramento legal e as políticas de discussão sobre o combate à desinformação, e uma segunda, em que são analisados três casos de estudo para os dois países.
"No caso de Espanha foi uma lei alusiva ao consentimento, questões de imigração e as eleições locais e regionais de 2023", enquanto no caso de Portugal os casos de estudo foram as últimas eleições parlamentares, a invasão da Ucrânia pela Rússia e a inflação.
"E se nos outros dois temas - eleições e invasão da Ucrânia -, já tínhamos alguma familiaridade com eles, no caso da inflação pareceu-nos ser um tema particularmente relevante, que não existe de forma isolada, está muito relacionado com a guerra e que a própria evolução geopolítica na Europa e no mundo nos últimos meses tem um impacto particularmente gravoso nas famílias portuguesas", salienta.
Aliás, "quando começámos a colocar a hipótese de se produzir alguma coisa sobre este tema, saltou-nos particularmente à vista o facto de Portugal ser dos países da Europa que está pior posicionado em termos de literacia financeira, de acordo com o Eurobarómetro", destaca Miguel Paisana.
Em suma, "a esfera política continua a ser aquela que é mais permeável a fenómenos desinformativos, sobretudo nestes últimos tempos", com a invasão da Ucrânia.
"Estamos a criar um 'framework' para pensar o impacto da desinformação sobre temas relacionados com guerras e com conflitos armados, temos agora a questão da guerra entre Israel e o Hamas, e aquilo que temos observado nestes últimos dias é que efetivamente todas aquelas questões que levantámos com a Ucrânia", como a utilização de imagens, seja fotografias e vídeos fora do contexto, imagens manipuladas ou até em casos extremos utilização de jogos de vídeo para simular notícias sobre a guerra, "estão também a acontecer no caso da conflito de Israel e o Hamas".
Portugal e Espanha "estão ativos e têm instituições que estão efetivamente preocupadas" em procurar e desenvolver estruturas legais para lidar com a desinformação, sintetiza, mas aponta outra questão mais complexa.
"Estes fenómenos de desinformação não dependem apenas daquilo que os Estados decidem que deve ser a resposta à desinformação, estão sempre dependentes da própria evolução do ecossistema mediático, nomeadamente a nível de tecnologia, das plataformas, das redes sociais, que é dinâmica adaptável e evolução", remata.
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