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Não vai nunca ser fácil criar regra tranversal à UE e EUA sobre plataformas – jurista (C/ÁUDIO)


*** Serviço áudio disponível em www.lusa.pt ***



*** Por Alexandra Luís, da agência Lusa ***




Lisboa, 15 jan 2023 (Lusa) - O jurista João Leitão Figueiredo considera, em entrevista à Lusa, que "não vai ser nunca fácil" criar uma regra "transversal" aos EUA e à União Europeia para plataformas como o TikTok, e que a UE "será sempre" mais "neutra".


Os EUA estão a intensificar as restrições à rede social chinesa TikTok, detida pela ByteDance, com o Congresso a proibir a aplicação para os seus funcionários e 19 estados a juntarem-se a este bloqueio, alegando motivos de segurança, e a pressionar a Europa a seguir a mesma linha.


"Não vai ser nunca fácil criar aqui uma regra que seja transversal, pelo que eu acho que a defesa por blocos acaba por ser -- ou pelo menos o alinhamento em blocos acaba por ser o 'second best' [a segunda melhor]", afirma o responsável, sócio da sociedade de advogados CMS na área de tecnologia, media e comunicação, referindo que não será fácil ir "muito além disso".


"O que eu vejo é uma tentativa de os EUA influenciarem a Europa a aproximar-se da visão deles", mas esta "nunca terá uma posição tão clara do ponto de vista político" como Washington, diz.


A Europa "será sempre tendencialmente mais neutra", considera o jurista.


Aliás, "diria que é praticamente impossível haver um consenso relativamente àquilo que são as regras a aplicar, ainda para mais nós não estamos a falar no mundo real, estamos a falar num mundo digital em que as pessoas acabam por ter tantas vidas alternativas: sou uma pessoa no Instagram, sou uma no Facebook, outra no TikTok", prossegue.


A vida real, aponta, "é bastante menos aliciante para grande parte das pessoas e, em particular, dos mais jovens, que já nasceram e cresceram com esta realidade".


Por isso, "não vejo como possível um acordo que permita consensualizar as regras aplicáveis a este tipo de plataformas, nem a forma de construção, desde logo, nem a forma de utilização dos algoritmos", acrescenta.


Existem algoritmos distintos, alguns mais intrusivos, outros menos, mas todos necessitam de elevados volumes de dados.


"E nós temos que ter consciência de que quando utilizamos um qualquer serviço digital, os nossos dados estão a ser recolhidos", daí a importância de se apostar fortemente na literacia digital porque quanto maior for a consciência das pessoas sobre os riscos de utilização de determinado tipo de ferramentas digitais, "mais preparadas vão estar para tomar decisões informadas".


A tomada de decisões informadas pode inclusivamente significar, refere, não fazer o 'download' "de determinados tipo de dados como seja o TikTok ou outro qualquer", sublinha.


Para o jurista, há sempre "um risco focar excessivamente numa única empresa, num único serviço", porque "depois podemos não estar a ver de forma holística a problemática e estar apenas a ter uma reação focada numa empresa", sobretudo porque nenhuma das grandes plataformas tecnológicas são europeias.


Além disso, "estamos a falar de plataformas que recolhem dados e historicamente nós sabemos desde a decisão Schrems, Schrems II [sobre proteção de dados] que os EUA também têm questões legais que permitem aos órgãos de investigação solicitar a transferência dos dados às empresas norte-americanas, ainda que sejam dados de europeus", portanto, "tudo isto é um jogo de sombras", aponta o jurista.


Por outro lado, as negociações dos mecanismos de transferência de dados da Europa para EUA "não estão a ser fáceis de concluir, aliás, já caiu Safe Harbor, já caiu o Privacy Shield" e o "próximo que vier provavelmente também vai ter problemas e desconfio que vai cair depois da implementação, exemplifica.


Por isso, o jurista considera que nunca vai ser fácil criar uma regra que seja transversal e a Europa, insiste, "nunca terá uma posição tão clara" como os EUA, até porque "seria impossível" o bloco europeu ou os seus órgãos representativos "tomarem e adotarem discursos tão duros" como Washington adota.


Isto porque a UE é composta por um número significativo de países com diferentes partidos políticos, o que torna "mais complexo e difícil haver uma linha comum que não seja neutra", argumenta.


Nesse sentido, "a Europa será sempre tendencialmente mais neutra", mas "penso que muito provavelmente, e a breve trecho, a Europa começará a adotar medidas mais próximas dos EUA", admite.


Agora não se sabe se os EUA vão tomar uma decisão final de "bloquear pura e simplesmente" o TikTok não apenas aos dispositivos estatais, mas a tudo, ou seja, "fazer um bloqueio geográfico à utilização" da rede social chinesa.


Caso isso aconteça, será "menos provável" que a Europa tome uma decisão semelhante.


No entanto, uma coisa é certa, a Europa "será sempre mais gradual" nas suas decisões" e será sempre mais tardia.


O jurista recorda que recentemente um responsável pelo mercado comunitário europeu referiu que as plataformas ou respeitam as leis europeias ou não podem estar na região.


"Agora vamos ver até onde é que vai esta afirmação. O que se nota muito é que os EUA são sempre muito mais vocais na sua animosidade perante este tipo de situações", insiste.


No entanto, a Europa tem legislação "mais adequada do que os EUA, nós estamos juridicamente mais preparados do que os EUA para reagir a situações destas", sublinha o jurista, que diz aguardar "ansiosamente" a decisão da investigação da Irlanda sobre o TikTok.


"Independentemente da aplicação ou não da coima, vamos conseguir ter uma noção mais exata daquilo que foi identificado no âmbito desta investigação" e "muitas vezes mais importante do que a decisão em si é perceber o que é que a sustentou", diz.


Isto porque "podemos estar a ser iludidos em algumas questões que nos chegam, que não são exatas, ou podemos vir a descobrir outras realidades tão ou mais inquietantes" do que as que se falam no âmbito das investigações "e que nos levem a repensar toda esta realidade", considera.


Com a legislação europeia sobre os serviços e mercados digitais -- a DSA e a DMA -- que entra agora em vigor "vai-se abrir uma panóplia de novas obrigações" e, nesse sentido "vamos ver os ajustes, vamos ver movimentos de lóbi para tentar menorizar o impacto, porque isto vai afetar grandemente, criar obrigações" que as plataformas não tinham e necessidade de investimento que não queriam ter.


Portanto, "o mercado vai mexer um bocadinho e, curiosamente, a Europa quando criou esta legislação nem foi propriamente a pensar no TikTok ou nos prestadores chineses", remata João Leitão Figueiredo.





ALU // CSJ


Lusa/Fim