Relatório parlamentar sem provas de interferência da Rússia no referendo do ‘Brexit’

Londres, 21 jun 2020 (Lusa) - O Governo britânico demorou a identificar a ameaça russa e possível interferência no referendo de 2016 que ditou o 'Brexit', mas não existem provas de que isto tenha influenciado o resultado, conclui um controverso relatório parlamentar publicado hoje.
"O Governo demorou a reconhecer a existência da ameaça, a qual só percebeu após a operação de 'hack e leak' [pirataria informática e divulgação de documentos confidenciais] contra a Comissão Nacional Democrata [dos EUA], quando deveria ter sido identificada em 2014. Como resultado, o governo não tomou medidas para proteger o processo do Reino Unido em 2016", concluem os autores.
O relatório de 55 páginas da Comissão Parlamentar de Informação e Segurança era aguardado devido às suspeitas de possível interferência russa na política britânica, em particular na campanha do referendo de 2016 sobre a saída do Reino Unido da União Europeia (UE).
Embora reconheça existir um debate sobre o efeito da propaganda pró-Brexit ou anti-UE da estação de televisão russa RT e do site Sputnik, e o uso de 'bots' [aplicação de software que simula ações humanas repetidas vezes de maneira padrão] e 'trolls' [pessoas usadas para provocar e desestabilizar uma discussão] nas redes sociais, afirma que "o impacto real de tais tentativas no resultado em si seria difícil - se não impossível - de provar".
No entanto, sugere que as autoridades britânicas deveriam fazer uma avaliação pós-referendo, tal como os EUA fizeram relativamente à interferência russa nas eleições presidenciais de 2016.
A publicação acontece num contexto de relações tensas entre Londres e Moscovo, e coincide com uma visita hoje à capital britânica do secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo.
Na quinta-feira passada, o Reino Unido acusou "atores russos" de interferência durante a campanha para as eleições legislativas de dezembro passado ao divulgar na internet de documentos relacionados às negociações entre Londres e Washington sobre um futuro acordo de comércio pós-Brexit.
Londres também acusou os serviços secretos russos de estarem por detrás de ataques contra cientistas e instituições do Reino Unido, EUA e Canadá envolvidas na investigação de uma vacina contra o novo coronavírus.
O Kremlin negou veementemente as "alegações infundadas", feitas um dia depois de o Partido Conservador ter expulso o deputado Julian Lewis após este terçado eleito presidente da Comissão com os votos dos partidos da oposição, ignorando orientações para apoiar a eleição do colega Chris Grayling.
A Comissão é considerada uma das mais importantes no parlamento britânico devido ao papel na fiscalização das agências de informação e serviços secretos britânicos.
O relatório foi concluído e apresentado ao primeiro-ministro, Boris Johnson, em outubro passado, mas este invocou questões de segurança nacional para não publicá-lo antes das eleições de 12 de dezembro, as quais ganhou com maioria absoluta.
O deputado Trabalhista Kevan Jones, membro da comissão, qualificou hoje de falsas as razões para o atraso.
O relatório hoje publicado afirma que o Reino Unido é um alvo importante da campanha de desinformação russa devido à proximidade dos EUA e à influência junto dos aliados ocidentais para serem tomadas medidas contra a Rússia.
Mas também alerta para o risco da influência russa no Reino Unido, onde "governos sucessivos receberam de braços abertos os oligarcas e o seu dinheiro, fornecendo-lhes um meio de reciclagem de financiamento ilícito através da 'lavandaria' de Londres e acesso aos níveis mais altos de empresas e figuras políticas".
A investigação da comissão parlamentar, iniciada em 2017, teve com o objetivo abordar as preocupações sobre a interferência externa nas eleições de 2016 nos EUA e o impacto de campanhas de desinformação oriundas da Rússia.
A então primeira-ministra, Theresa May, acusou a Rússia de espalhar "histórias falsas" para "semear discórdia no Ocidente e minar as nossas instituições".
As relações entre Londres e Moscovo deterioraram-se desde que o ex-espião russo Sergei Skripal e sua filha Yulia foram envenenados com um agente neurotóxico em Salisbury em março de 2018.
Os dois sobreviveram, bem como um polícia que foi contaminado, mas a britânica Dawn Sturgess morreu após ter encontrado o recipiente usado para transportar a substância.
As autoridades britânicas acusaram formalmente Alexander Petrov e Ruslan Boshirov, membros da agência de informações russa GRU.
A Rússia negou qualquer envolvimento, mas o caso desencadeou uma onda de expulsões cruzadas de diplomatas entre Londres e os seus aliados e Moscovo.
Bruno Manteigas