REPORTAGEM: Europeias/Hungria: Húngaros vivem em “realidade alternativa” repleta de propaganda
*** Por Ana Matos Neves, enviada da agência Lusa ***
Budapeste, 22 mai 2019 (Lusa) -- Os húngaros vivem numa "realidade alternativa" repleta de propaganda e de notícias falsas ('fake news') espalhadas pelo "grande império de imprensa" dos conservadores no poder, o Fidesz, e que visam atingir Bruxelas e os migrantes.
Abrir, por estes dias, as páginas na internet dos jornais 'online' Origo ou em papel Magyar Nemzet permite perceber como funciona, atualmente, o mercado dos 'media' na Hungria: a grande maioria das notícias coincide com a narrativa política da Aliança Cívica Húngara (Fidesz), partido no Governo desde 2010.
"Órban [afirma]: A segurança deve ser protegida, a identidade deve ser preservada", titulam ambos os jornais, ainda que por palavras diferentes, em notícias acompanhadas pela mesma fotografia, do primeiro-ministro húngaro num evento da indústria automóvel húngara.
Em ambos os conteúdos - divulgados em altura de campanha eleitoral para as europeias - é amplificado o discurso anti-imigração e de fecho de fronteiras que tem vindo a ser usado pelo executivo liderado por Viktor Órban.
Mas há outro alvo: a Comissão Europeia, que já começou a responder nalguns casos.
Enquanto o Origo escrevia há dias que "Bruxelas ataca o apoio [dado pelo Governo húngaro] às crianças, mas distribui vistos para migrantes", o Magyar Nemzet noticiava que "a Comissão Europeia critica o programa de apoio familiar de Órban".
Em causa estão as questões colocadas pelo executivo comunitário sobre o programa lançado há semanas pelo Governo húngaro para incentivar a natalidade no país através de empréstimos bonificados ou de reduções nos impostos para famílias numerosas.
Apesar de se tratarem de meios diferentes, um digital e outro impresso, e de jornais diferentes, a mensagem é a mesma. E isto acontece não só no Origo (que era independente e foi comprado por investidores ligados ao Fidesz) e no Magyar Nemzet (um dos maiores jornais e pró Governo), mas noutros meios de comunicação.
"Existe um controlo muito apertado da opinião pública através da detenção de grandes grupos de meios de comunicação por parte de empresas ligadas ao Fidesz", observou em declarações à agência Lusa o analista sénior do Political Capital Institute, Bulcsú Hunyadi.
Como exemplo, Bulcsú Hunyadi apontou o caso do Origo, mas também o encerramento, há três anos, de um dos jornais com maior tiragem no país, o Népszabadság, que tinha uma ideologia mais à esquerda e foi comprado por investidores ligados ao Fidesz e depois encerrado.
No final do ano passado, surgiu ainda a Fundação da Imprensa e Media da Europa Central (Kesma, sigla em húngaro), com ligações ao Fidesz, que comprou quase 500 meios de comunicação no país.
"É um grande império de imprensa muito centralizado e organizado", apontou Bulcsú Hunyadi.
Segundo o analista, "muitas pessoas só têm acesso à informação que é espalhada por estes principais media", o que leva a que vivam "numa realidade alternativa em que tomam como certas este tipo de notícias porque são as únicas a que têm acesso".
Gábor Gyori, analista sénior do grupo de reflexão Policy Solutions, afirmou à Lusa o Governo húngaro tem também "muita influência" no mercado da televisão e na rádio, seja nos que são públicos (Magyar Televízió e Magyar Rádio) como nos privados ligados ao Fidesz (como a TV2).
O analista defendeu que "a imprensa não é verdadeiramente livre na Hungria porque tem uma operação muito condicionada", isto "não só ao nível do negócio, por questões financeiras ou de recursos, mas também por restrições impostas pelo sistema".
"Noutros sítios do mundo, os 'media' têm um problema financeiro, mas aqui a questão também política e o mercado torna-se mais vulnerável por causa da pressão do Governo", adiantou.
São, de facto, poucos os meios de comunicação social que se assumem como totalmente independentes.
É, ainda assim, o caso do jornal 'online' Index.hu, um dos mais lidos e mais credíveis do país.
Gábor Miklósi, diretor-adjunto do Index.hu, contou à Lusa que este meio foi considerado como "difusor de 'fake news'" por Viktor Órban, que justificou dessa forma a recusa de uma entrevista.
Segundo este responsável, o chefe de Governo húngaro "não dá uma entrevista a 'media' independentes há oito anos", fazendo-o apenas com regularidade à rádio ou televisão públicas.
A Lusa chegou a pedir uma entrevista a Viktor Órban, mas o gabinete do primeiro-ministro declinou-a, indicando que o responsável "tinha a agenda cheia".
Szilárd István Pap, membro da plataforma 'online' Mérce, que é composta por jovens jornalistas e ativistas, indicou à Lusa que estas limitações criam um "ambiente propício a 'fake news'", que "são uma realidade" na Hungria.
"São os 'media' ligados ao Governo que mais o fazem e, normalmente, é sobre a questão das migrações", referiu, exemplificando que, há dias, estes jornais usaram fotografias de protestos no Brasil para ilustrar notícias sobre protestos contra migrantes, para aparecerem mais pessoas.
Em entrevista à Lusa, Balázs Hidvéghi, candidato do Fidesz às europeias e também diretor de comunicação do partido, salientou que "há liberdade de imprensa na Hungria", vincando que as opiniões em sentido contrário são "um ataque político infundado".
"Não vemos a imprensa como um inimigo. Vemos é a imprensa liberal, por vezes, como mais capaz de fazer oposição política do que muito dos partidos", adiantou.
No domingo, a Hungria elege 21 dos 751 deputados para o Parlamento Europeu.
ANE // EL
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