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Análise da desinformação deve ir além de processos eleitorais – Investigador

Um homem coloca o seu boletim de voto na urna numa Assembleia de voto em São João das Lampas. Cerca de 9,4 milhões de eleitores são chamados hoje a votar nas eleições autárquicas para escolher os autarcas de 308 câmaras municipais e de 3.091 freguesias, São João das Lampas, Sintra, 01 de outubro de 2017. JOSE SENA GOULÃO/ LUSA

Bruxelas, 15 abr 2021 (Lusa) -- O diretor executivo da Democracy Reporting Internacional, Michael Meyer Resende, considerou hoje que o "debate europeu sobre a desinformação foca-se muito nos processos eleitorais", defendendo que "deve ir além" e abordar o "impacto comportamental nas pessoas".

"Muita da desinformação não é criada para mudar o voto de uma pessoa amanhã, mas para influenciar a sua maneira de pensar nos próximos anos, o que pode ter um impacto eleitoral muito tempo depois", apontou o responsável.

Michael Meyer Resende falava durante um seminário organizado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e pelo Serviço de Informações de Segurança (SIS), no âmbito da presidência portuguesa do Conselho da UE, intitulado "Ameaças Híbridas, incluindo Desinformação".

Durante a sua intervenção num painel cujo tema foi o combate à desinformação, o diretor executivo da Democracy Reporting International -- uma organização que "promove a democracia através de análises imparciais e exemplos das melhores práticas" -- referiu que, entre eleições, "há muitos outros temas que são discutidos", como "questões de política pública, regulações ou desastres".

"Há ondas de desinformação cada vez que ocorrem crises, quer sejam crises locais, como o incêndio da Notre Dame em Paris, quer sejam crises globais, como a pandemia. O que vemos é que a desinformação é ativada em todo o tipo de acontecimentos e tenta influenciar todo o tipo de acontecimentos", destacou.

Frisando assim que no debate europeu sobre a desinformação continua a haver "um grande foco nos processos eleitorais", Meyer Resende sublinhou que tornou-se "claro" que é "preciso ter uma visão mais ampla" que abarque outros aspetos.

Dando como exemplo as interferências russas nas eleições dos Estados Unidos em 2016, o responsável referiu que o "impacto real" desses ciberataques "foi provavelmente muito baixo", sendo, por isso, necessário "analisar o impacto comportamental" verdadeiro que essas mensagens têm.

"Podemos descobrir que uma campanha de [desinformação] é maciça, mas isso não quer dizer que tenha um impacto real ou que afete as mentalidades das pessoas", destacou, considerando que a regulação da desinformação no espaço europeu deve ser "estruturada" com base no conhecimento do "impacto real" dessas mensagens.

O diretor executivo da Democracy Reporting International frisou também que, quando se aborda a transmissão de uma mensagem de desinformação, é preciso começar a focar-se nos "danos" criados por essa transmissão, em vez de pensar se a mesma foi motivada por uma intenção danosa.

"Pode não importar muito qual é a intenção de uma pessoa quando reencaminha uma mensagem de WhatsApp com informação completamente errada sobre a covid-19. Mesmo que tenha sido com boa-fé, isso não faz com que a mensagem seja menos prejudicial", sublinhou.

Meyer Resende avançou assim que as plataformas com recursos para tal devem começar a "trabalhar contra todo o tipo de conteúdos prejudiciais, quer surjam de um comportamento intencional ou não".

No mesmo sentido, o professor no ISCTE, Gustavo Cardoso, destacou que é preciso começar a pensar se o cidadão comum não é uma "fonte de desinformação", por ser movido por um desejo de "mudar a mensagem" e o "seu significado" quando considera que tal "é necessário para atingir os seus objetivos autónomos".

"Quando as pessoas recebem uma mensagem jornalística no seu 'feed' do Facebook, por exemplo, o que acontece a seguir é que, se concorda com a mensagem, deixa-a intocada e só a partilha. Mas, se não concorda com o que quer que seja que esteja escrito, comenta, partilha-a com um comentário, e isso é a transformação da comunicação", referiu.

Sublinhando assim que os utilizadores estão hoje a construir a "sua própria comunicação", tornando-se "produtores", Gustavo Cardoso salientou que a "autenticidade" dos factos deixou de ser "factual" e passou a ser "negociada".

"Hoje em dia, utilizamos notícias ou descobertas científicas para negociar a nossa autenticidade com os outros (...) e, por isso, já não estamos num mundo em que a autenticidade é a mesma para toda a gente, passou a ser negociada com os outros, e é por isso que considero que somos todos potencialmente 'desinformadores'", afirmou.

O seminário virtual "Ameaças Híbridas, incluindo Desinformação" tem como objetivo encorajar a reflexão em torno da temática da desinformação, da sua influência sobre as sociedades democráticas, das formas de combate a esta ameaça e dos métodos para a sua deteção e mitigação.

 

Tiago Almeida