Debate sobre desinformação deve focar-se em “operações de influência” – Professor

Bruxelas, 15 abr 2021 (Lusa) -- O professor Ziga Turk defendeu hoje que a desinformação faz parte "do diálogo competitivo" entre ideias, essencial nas democracias, e que a discussão sobre a desinformação deve antes centrar-se nas "operações de influência" que distorcem o debate público.
"Há vários atores poderosos que investem maciçamente (...) e agressivamente em ciberexércitos, em cibertropas, e que estão a levar a cabo todo o tipo de atividades, não apenas a roubar segredos e a invadir computadores, mas também a manipular e a mudar [o debate] nas redes sociais", sublinhou Ziga Turk.
O professor na Universidade de Liubliana e ex-ministro da Educação, Ciência, Cultura e Desporto da Eslovénia falava num seminário, organizado pela presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (UE), intitulado 'Ameaças híbridas, incluindo desinformação'.
No painel em que intervinha, e que tinha como tema a questão 'A desinformação é poder?', Ziga Turk sublinhou que uma coisa é dizer "que existe, dentro de uma comunidade política, dentro de um país ou no espaço público, uma competição feroz entre várias pessoas com várias ideias, que tentam ganhar os corações e as mentes das pessoas".
"Outra coisa é quando há um ator poderoso com uma agenda que tem a capacidade de mudar e de distorcer todo o debate público numa direção e é nisso que consistem as operações de influência", sublinhou.
O professor universitário referiu assim que, no atual contexto de informação, é nessas operações "que deve estar o foco", argumentando que a "desinformação e as mentiras sempre estiveram presentes no espaço público" e que vários estudos mostram que o seu impacto "não é tão mau como parece".
"No contexto da desinformação, não quero dizer que a verdade é sobrevalorizada, mas não é essencial para o funcionamento de um sistema político. O que as pessoas verdadeiramente querem é reduzir a incerteza. E é por isso que, quando se pensa no sucesso dos populistas, é nisso que eles capitalizam: estão a reduzir a incerteza sem ser necessariamente com a verdade", disse Ziga Turk.
Munindo-se assim da definição do conceito de 'informação' utilizada na computação científica para referir que a "informação é a medida de incerteza num resultado experimental", Ziga Turk destacou que, "em teoria, a informação não tem que ser verdadeira, só precisa de reduzir a incerteza".
Aliando a esta definição a ideia de que a democracia é um "sistema em que os governados aceitam voluntariamente ser governados" e que, nesse registo, a nossa civilização assenta na ideia de que "ninguém é dono da verdade e que a verdade é descoberta através do diálogo competitivo de várias ideias", o professor adiantou que um dos pressupostos do sistema democrático é que as forças políticas devem procurar "manufaturar o consenso".
"A informação não precisa de ser necessariamente verdadeira e a democracia funciona na base do consentimento, e estas duas características -- que são verdade e que não podemos ignorar -- são a razão pela qual a desinformação tem tanto sucesso: porque as pessoas anseiam por certezas, não pela verdade, e porque as políticas de poder tentam gerar consentimento e não necessariamente fazer o que o eleitorado lhes pediu para fazer", informou.
Sublinhando assim que o nosso sistema político assegura a liberdade de imprensa precisamente para "permitir que a verdade tenha uma hipótese" nessa "competição feroz" de ideias, Ziga Turk citou o ex-presidente dos Estados Unidos Abraham Lincoln -- que afirmou que "pode-se enganar todos durante algum tempo, pode-se enganar eternamente alguns, mas não se pode enganar eternamente toda a gente" -- para afirmar que "a verdade acaba sempre por prevalecer".
"Cada mentira que dizemos cria uma dívida para com a verdade e, mais tarde ou mais cedo, essa dívida é paga. Por isso, mais tarde ou mais cedo, qualquer dívida que foi criada com a desinformação, vai ser paga e, com sorte, é antes cedo do que tarde, porque a dívida será mais pequena", concluiu.
Tiago Almeida