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Europa está no meio de uma guerra de informação

Věra Jourová, vice-presidente da Comissão Europeia, para os Valores e Transparência considera, em entrevista à Lusa, que a desinformação assente em inteligência artificial (IA)

Lisboa, 12 abr 2024 (Lusa) – A vice-presidente da Comissão Europeia Věra Jourová acredita que a Europa “está no meio de uma guerra de informação” e que não pode “ser ingénua” e deixar de reagir, combatendo a desinformação.

“Atualmente, na Europa, estamos no meio de uma guerra de informação. Temos de pensar se não seremos demasiado ingénuos para não reagir”, diz Věra Jourová, comissária dos Valores e da Transparência, em entrevista à Lusa, em Lisboa.

A comissária respondia a uma pergunta sobre a decisão, há dois anos, de proibir os ‘media’ estatais russos Sputnik e Rússia Today, decisão criticada na altura como um obstáculo à liberdade de expressão.
“Dei o meu melhor para explicar por que razão tínhamos de o fazer, que se tratava apenas de mais uma máquina de guerra de Putin”, afirma.

Věra Jourová refere um exemplo da Checoslováquia, onde nasceu: “Tivemos um estudante que se chamava Jan Palach e que se imolou em protesto contra a ocupação russa em 1968.

E deixou uma carta, uma lista de tarefas para aqueles que ficaram impressionados com o seu horrível sacrifício. Nessa carta havia dois pontos principais: o primeiro era proibir os meios de comunicação russos. E o segundo era proibir a censura”, relata.

“Não vejo nenhuma contradição nisso”, sublinha.

A comissária lamenta todavia que a sanção àqueles ‘media’ não seja 100% eficaz, e diz que lhe é “doloroso ver, por exemplo, no YouTube, como algumas narrativas são difundidas, por exemplo em África, pela Russia Today e pela Sputnik”.

Aqueles meios, insiste, “utilizam as palavras como arma”, razão pela qual foram colocados na lista de sanções.

Outra medida tomada, aponta, foi a criação de um programa de apoio a jornalistas russos exilados na UE.

“Temos várias centenas deles e estou a apoiá-los através de um programa específico, de um projeto específico, a que chamei, de forma provocatória, Rádio Rússia Livre.

Considero que é a coisa certa a fazer. Permitir que os jornalistas russos exilados continuem o seu trabalho na UE e estamos a tentar conseguir isso”, afirma.

Sobre a interferência russa na Europa, a comissária explica que há três condições que facilitam essa intromissão: a proximidade histórica e linguística, a presença de partidos predispostos à propaganda russa e a falta de literacia mediática e digital das populações.

“Tenho a certeza de que o Sr. Putin tem uma análise muito boa sobre onde investir. Ele não tem dinheiro suficiente para todas as aventuras de guerra, por isso tem de ter um bom objetivo”, afirma.

Věra Jourová termina hoje uma visita de dois dias a Portugal, no âmbito da sua "digressão pela democracia", onde tem encontros marcados com entidades nacionais e responsáveis institucionais portugueses.
Questionada sobre o facto da desinformação ser eficaz numa altura em que as pessoas obtêm a informação de maneira superficial, Jourová afirma que "o maior desafio é a desinformação que se baseia na inteligência artificial ou utiliza a inteligência artificial".

 

Inteligência artificial "é o maior desafio" 

A vice-presidente da Comissão Europeia para os Valores e Transparência considera que a desinformação assente em inteligência artificial (IA) "é o maior desafio" e que esta tecnologia é incontornável para os media.

"Ainda há alguns anos vi campanhas de desinformação reais e direcionadas a serem produzidas por pessoas reais, pelo exército de 'trolls' em São Petersburgo," refere, mas a tecnologia desenvolveu-se bastante desde então.

Agora, "é tão fácil usar a IA não só para produzi-lo, para produzir os efeitos, mas também para divulgá-lo pelo espaço digital" e as pessoas estão a ser impactadas, lendo e vendo desinformação a uma "velocidade luz" e "é isso que eu temo", admite Věra Jourová, que não se vai recandidatar a um novo mandato na Comissão Europeia.

E é "aqui que tentamos impedir isso, é por isso que apreciei que os atores digitais das maiores plataformas tenham assinado um compromisso de que irão detetar proativamente a produção de IA/'deepfakes'" e que estas serão rotuladas e removidas, sublinha.

"Acho que veremos muito isso ou ouviremos sobre casos de 'deepfakes' sendo removidas 10 dias antes das eleições" europeias, prevê a vice-presidente da Comissão Europeia.

Instada a comentar como a tecnologia pode ser muito criativa a contornar barreiras, Věra Jourová sublinha que ainda se trata de "criatividade humana", embora muito em breve preveja que a IA deixe de precisar de pessoas para o fazer.

"Não quero parecer apocalíptica, mas a desinformação espalhada pela IA é algo que realmente temo e algo que ainda podemos resolver com um forte compromisso dos tecnólogos - eles são os únicos que têm uma hipótese de impedir isso" -, uma vez que são eles que estão a desenvolver a tecnologia de inteligência artificial para detetar imediatamente a produção de IA.

"Esqueça, os seres humanos já não o conseguem fazer mais", daí a importância do seu papel, prossegue, referindo que recebeu um "forte compromisso" dos partidos políticos de que "irão resistir à tentação de usar 'deepfakes' em campanhas políticas".

 

"Campanhas decentes e não manipuladoras" nas europeias 

"Pedi aos partidos europeus que também pedissem aos partidos políticos nacionais que realizassem campanhas decentes e não manipuladoras. Sou ingénua? Espero que não, mas gostaria de fazer, ainda no atual mandato na Comissão, algures em setembro, uma avaliação olhando para trás", partilha.

E aí "veremos se vale a pena jogar" de maneira justa, mas isso só "saberemos" em outubro.

Instada a comentar as declarações do professor catedrático do IST Arlindo Oliveira, em entrevista recente à Lusa, que afirmou ter menos medo da eficácia da desinformação do que da ineficácia da informação, uma vez que atualmente é mais difícil fazer as pessoas mudarem de opinião, a vice-presidente da Comissão Europeia para os Valores e Transparência salienta ser "muito apropriado dizê-lo".

"Os dados dizem-nos que não é altura de subestimar a desinformação e a interferência estrangeira", aponta.

Věra Jourová esteve na Letónia esta semana, perto da fronteira russa: "Imagine ter um terço da população de língua russa, uma incrível pressão e o ataque permanente ao espaço de informação por parte da Rússia".

Uma das "tendências perigosas é que, quanto menor a confiança [nos media], maior o número de leitores de todas as notícias que se espalham pelas plataformas 'online', que são exatamente o lugar, a autoestrada para os conteúdos problemáticos, prejudiciais e manipuladores", sublinha.

"Tenho sempre uma mensagem para os media tradicionais: têm que aparecer onde têm leitores" e isso, além da digitalização, inclui ainda "algum tipo de novas sinergias com a IA".

Já que, "caso contrário, não sobreviverão", remata.

 

*** Alexandra Luís e Maria de Deus Rodrigues (texto) e António Cotrim (fotos) ***

Lusa/fim