É falso que desapareceram 50 angolanos da comitiva do presidente João Lourenço

Lisboa, 05 ago 2025 (Lusa Verifica) – A PSP desconhece o alegado desaparecimento de mais de 50 cidadãos angolanos durante a visita oficial do Presidente João Lourenço a Portugal, o Governo não comenta desinformação e as autoridades angolanas desmentem a denúncia do presidente do Chega.
Alegação: desapareceram mais de 50 angolanos que viajaram de Luanda para apoiar a visita do Presidente João Lourenço
No dia 27 de julho, o presidente do Chega denunciou o alegado desaparecimento de mais de 50 cidadãos angolanos de um grupo maior que teria viajado até Lisboa para participar nas iniciativas de apoio à visita oficial do Presidente angolano, João Lourenço, que esteve em Lisboa entre 24 e 26 de julho. Segundo André Ventura, esse facto “está a ser ocultado pelo Governo português” (exemplo: https://archive.ph/uq60b)
Numa segunda publicação sobre “a corrupção lusófona” (exemplo: https://archive.ph/JIjRi), André Ventura gravou um vídeo de 1 minuto e 17 segundos no qual reitera a denúncia e as críticas que já havia feito ao Presidente angolano no dia 25, primeiro dia da visita oficial a Portugal.
Nesse vídeo, atualmente com centenas de milhares de visualizações, o presidente do Chega afirma que “ficou demonstrado (...) que foi o poder de Angola que pagou a viagem, que os trouxe para cá e que os levou para a frente do Parlamento para fingir que havia alguma vaga de apoio em Portugal ao Presidente João Lourenço”, numa referência aos angolanos que se concentraram em frente à Assembleia da República.
Na mensagem, André Ventura insiste no desaparecimento de algumas dessas pessoas. “Alguns fugiram, desapareceram, não sabemos onde é que estão, agora que era tempo de voltar estão perdidos em Portugal. Vejam a vergonha e o descalabro disto. A corrupção de lá, que leva a que se organizem pessoas para vir para cá só fingir que apoiam o Presidente João Lourenço, e o desleixo e o desnorte que há cá. Fugiram, ninguém sabe onde é que estão, e agora muitos deles não se conseguem contactar - mais de 50 estão desaparecidos.”
A denúncia do Chega parece ter origem na página do Facebook NSISA Reflexões, da autoria do ativista angolano Jerónimo Nsisa, nomeadamente num conjunto de publicações feitas na véspera, dia 26, segundo as quais o governo angolano teria organizado e pago a deslocação de um grupo de militantes para participarem no “teatro de apoio ao presidente” (https://archive.ph/DIprW).
Uma das publicações inclui um vídeo gravado na zona de chegadas do aeroporto de Lisboa e que alegadamente mostra “a claque do MPLA que saiu de Angola para prestar apoio ao Presidente João Lourenço em Portugal. (https://archive.ph/6MrXJ) enquanto outro texto avança que “dos 164 cidadãos que deslocaram-se a Portugal (...), 54 puseram-se em fuga, porque supostamente aproveitaram a oportunidade para não mais regressarem à miséria em Angola.”
Segundo a mesma publicação, que está acompanhada pela imagem que André Ventura partilhou nas suas redes sociais, essa comitiva viajou até Portugal com passaportes de serviço (https://archive.ph/jM7Ue), um tipo de documento cuja utilização dispensa a necessidade de visto, conforme acordado entre os dois países.
Factos: autoridades angolanas desmentem denúncias de André Ventura e vídeo apresentado como prova é de outra visita
A denúncia de André Ventura foi prontamente desmentida por vários elementos do MPLA, nomeadamente através da página do Comité de Acção do Partido [MPLA] de Lisboa (https://archive.ph/292I6) e de artigos como este de Aguinaldo de Oliveira, Secretário para o Departamento de Informação e Propaganda do Comité Provincial do MPLA em Luanda (https://archive.ph/0A5c9).
Em resposta à Lusa, a embaixada de Angola também foi perentória: “é absolutamente falso que um grupo de angolanos tenha vindo de Angola para participar na realização de ações de apoio” à visita oficial do Presidente João Lourenço.
“As pessoas que resolveram expressar o seu apoio ao senhor Presidente da República são todos residentes na região de Lisboa”, afirmou o adido de imprensa, Victor Carvalho.
A Lusa Verifica analisou o conteúdo das denúncias do Chega e da página NSISA Reflexões e concluiu que não existem provas daquelas alegações. Aliás, no caso do vídeo da alegada “claque do MPLA” no aeroporto de Lisboa, foi possível apurar que as imagens são anteriores à visita do presidente João Lourenço.
No vídeo, ainda disponível nas redes sociais da NSISA Reflexões, vê-se o que parece ser um grupo de angolanos com chapéus, t-shirts vermelhas e lenços amarelos do MPLA no hall de chegadas do Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, mas vêem-se também várias telas publicitárias cujas datas de colocação foi possível apurar.
Uma delas, facilmente identificável, que celebrava a Final Feminina da UEFA Champions League, que decorreu em Lisboa a 24 de Maio (https://archive.ph/pKtRk), a Lusa Verifica apurou junto de duas empresas de comunicação ligadas ao espaço que essa campanha da marca Lay’s esteve afixada entre os dias 6 de maio e 19 de junho, pelo que o vídeo é necessariamente desse período.
A Lusa Verifica analisou também outros vídeos gravados naquele espaço já em julho e constatou que aquele anúncio já não estava presente. Além disso, a consulta das redes sociais do MPLA em Portugal permitiu concluir que o vídeo ilustra a receção da vice-presidente do partido, Mara Quiosa, que visitou Portugal no início de junho, como mostra outro vídeo no qual é visível a mesma tela publicitária e elementos do MPLA comuns ao vídeo anterior: https://archive.is/B4FnO.
Quanto ao conteúdo das restantes alegações, nenhuma autoridade portuguesa ou angolana confirmou qualquer indício, denúncia ou investigação sobre este caso. Essa é também a conclusão do projeto angolano de verificação de factos, Verifica.ao, que conclui que “a alegação é enganadora porque não está sustentada por provas concretas, nem confirmada por fontes oficiais ou independentes”: https://archive.ph/Cs6td.
Contraditório:
A Lusa Verifica tentou contactar a página NSISA Reflexões mas não obteve resposta. Tentou também ouvir os ministérios portugueses da Administração Interna e dos Negócios Estrangeiros, bem como o gabinete de comunicação do Governo, mas foi informada que o Governo não iria responder à acusação do Chega por considerar que não deve abrir o precedente de dar resposta aos conteúdos desinformativos partilhados nas redes sociais daquela força política.
No entanto, foi possível apurar que a Polícia de Segurança Pública não recebeu qualquer denúncia sobre este caso. “A PSP não tem conhecimento do alegado desaparecimento de mais de 50 cidadãos angolanos em Portugal. E se os referidos cidadãos de Angola passaram a fronteira aérea é porque teriam condições para o fazer, caso contrário teriam sido intercetados, não lhes sendo permitida a entrada”, explica o gabinete de comunicação da Direção Nacional da PSP.
A Lusa Verifica quis também ouvir o governo angolano, o que só foi possível após várias tentativas. Na resposta escrita enviada à Lusa, o secretário do presidente da República para os Assuntos de Comunicação Institucional e Imprensa, Luís Fernando, afirmou que “o que foi dito por André Ventura e outros que o secundaram são delírios, afirmações absolutamente falsas, ficção da mais reles”, porque “os angolanos que estiveram a dar vivas ao Presidente João Lourenço residem todos em Portugal, devidamente legalizados.”
Além disso, acrescenta, “a embaixada forneceu ao Ministério dos Negócios Estrangeiros [português] e à Polícia a lista dos cidadãos que estariam concentrados nos pontos principais da agenda, bem como a foto do traje que usariam e o nome e contacto do líder associativo responsável” em cada iniciativa.
A Lusa Verifica questionou a PSP sobre esta afirmação, mas esta força policial disse apenas que “não tem quaisquer outras informações disponíveis para prestar.”
Já o gabinete de comunicação do Chega manteve a acusação e afirmou que “recebeu, por vias fidedignas, denúncias sérias e credíveis relativamente ao alegado desaparecimento de cidadãos angolanos em território nacional, na sequência da sua participação num evento de apoio ao Presidente da República de Angola, João Lourenço.”
No entanto, não esclareceu se o Chega apresentou alguma participação ou queixa às autoridades, nem se tinha alguma informação sobre o vídeo erradamente atribuído à chegada da comitiva ao aeroporto de Lisboa.
Avaliação Lusa Verifica: Falso
O autor da denúncia inicial não esteve disponível para prestar esclarecimentos, nem divulgou nova informação, mas a Lusa Verifica apurou que o vídeo que divulgou é de junho e não corresponde ao alegado.
Por seu lado, o Governo português e a PSP desconhecem qualquer incidente relativo ao alegado desaparecimento de cidadãos angolanos em Portugal e a comunidade angolana em Portugal bem como o governo angolano desmentem aquela acusação de forma categórica.
Com base na informação recolhida, na ausência de provas e na utilização de um vídeo enganador, a Lusa Verifica conclui que é falsa a acusação sobre o desaparecimento de mais de 50 cidadãos angolanos que alegadamente viajaram até Lisboa para apoiar a visita oficial do presidente João Lourenço.
Luís Galrão