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Corrupção e desconfiança nas instituições dominam desinformação em Portugal

Dinheiro contrafeito apreendido pela Polícia Judiciária na Operação Deep Money, no edifício-sede da Polícia Judiciária, em Lisboa, 9 de setembro de 2019. Através da Unidade Nacional de Combate à Corrupção e com a colaboração da EUROPOL, a Polícia Judiciária desmantelou uma das maiores redes de contrafação de moeda da Europa, numa operação em que foram detidas cinco pessoas e apreendidas mais de 1.800 notas falsas de 50 e de 10 euros.
MÁRIO CRUZ/LUSA

Bruxelas, 30 dez 2023 (Lusa) -- A corrupção e a desconfiança nas instituições e nos media são as narrativas de desinformação predominantes em Portugal, segundo um estudo da organização não-governamental europeia DisinfoLab.

O estudo da DisinfoLab teve por base relatórios de 20 Estados-membros da União Europeia (UE), incluindo Portugal, e foi feito por 45 especialistas, entre académicos e verificadores ('fact checkers'), com o objetivo de traçar um panorama da desinformação e "descrever e analisar os casos mais emblemáticos de desinformação, as narrativas recorrentes" nesses países.

A corrupção, lê-se no texto, "é uma das questões mais salientes no debate público português", sendo explorada "a perceção da desigualdade para espalhar mentiras".

O documento, publicado em dezembro, identifica ainda mais dois temas recorrentes na desinformação a circular em Portugal -- xenofobia e anti-imigração e a guerra na Ucrânia, predominantes na maioria dos países estudados.

Estes dados sobre a desconfiança dos portugueses são coerentes com a conclusão do Observatório Ibérico de Média Digitais e da Desinformação (Iberifier) de que a corrupção é o tema que mais motiva manipulação da informação em Portugal, num estudo publicado em junho, e não a xenofobia ou a anti-imigração, como acontece em vários países europeus estudados.

O panorama da desinformação em Portugal foi tratado por Filipe Pardal, diretor de operações do Polígrafo, jornal on-line de verificação, e por Inês Narciso, adjunta no gabinete do primeiro-ministro, que depois foi analisado pela equipa da DisinfoLab, uma organização não-governamental independente que estuda o fenómeno na Europa.

O relatório aponta que, "ao contrário de outros países europeus, ainda não foi identificada em Portugal nenhuma grande campanha nacional de desinformação, sistemática e organizada".

Mas o efeito da desinformação, muita dela importada, é visível nas redes sociais, que "são dominadas por partidos 'mais pequenos e mais radicalizados', que podem promover campanhas de desinformação no futuro, com um impacto considerável no ambiente digital".

O problema da desinformação, segundo o estudo, é agravado no caso português, por três vulnerabilidades: as dificuldades financeiras dos media, a precariedade dos jornalistas e o crescente desinteresse dos cidadãos pelas notícias.

O relatório apresenta ainda alguns dos casos mais emblemáticos registados em Portugal, como o episódio em que, durante a campanha eleitoral de 2019, um homem acusou o primeiro-ministro de estar de férias quando aconteceram os incêndios de Pedrógão Grande, em 2017, a que António Costa reagiu irado. E esta foi eleita a mentira do ano de 2019 pelo Polígrafo.

A extrema-direita chegou ao parlamento português em 2019, com a eleição de um deputado do Chega, André Ventura, e, concluem Filipe Pardal e Inês Narciso, desde então, a "estratégia deliberada" de lançar "a desinformação para a praça pública portuguesa tem sido mais ou menos evidente".

Em 2022, o Polígrafo "atribuiu a 'mentira nacional do ano' às imprecisões e falsidades de André Ventura e da sua equipa parlamentar": "André Ventura faltou à verdade, foi impreciso e tirou do contexto informações cerca de 50 vezes (no Facebook, no Twitter, em entrevistas, debates e na Assembleia da República)."

Um exemplo? A falsa notícia sobre "milhares de inscritos na JMJ desaparecidos", no rescaldo da Jornada Mundial de Juventude, com o papa Francisco, em agosto de 2023, e partilhada com um grafismo idêntico ao da Rádio Renascença.

Outro caso de desinformação em Portugal foi o de uma publicação nas redes sociais que apresentava o país como o 33.º país mais corrupto do Mundo no Índice de Percepção de Corrupção de 2022, culpando os políticos e apelidando o país de "paraíso fiscal". Na realidade, o país estava entre os 33 menos corruptos numa lista encimada pela Dinamarca (menos corrupto) e com a Somália em último.

 

Catorze países europeus sem leis sobre desinformação, Portugal é uma das exceções

Portugal é um dos seis países europeus com leis contra a desinformação, segundo o estudo da organização não-governamental europeia DisinfoLab, que identifica os 14 Estados-membros sem legislação específica.

No caso português, trata-se da lei 15/2022, que simplifica o "direito de proteção contra a desinformação" e este disposto está incluído na Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, aprovada pelo parlamento em 2021.

O artigo estipula que o "Estado assegura o cumprimento em Portugal do Plano Europeu de Ação contra a Desinformação, por forma a proteger a sociedade contra pessoas singulares ou coletivas, 'de jure' ou 'de facto', que produzam, reproduzam ou difundam narrativa considerada desinformação".

Os outros países com legislação nesta área são a França, que tem um lei para o período eleitoral, a Grécia, que criminalizou as 'fake news' suscetíveis de "causar preocupação ou medo ao público" em áreas como a economia ou defesa ou ainda a Letónia que criminalizou a disseminação de informações falsas que causem grande perturbação da ordem pública.

Na Lituânia, a Constituição define que a liberdade de expressão é incompatível com a desinformação e na Roménia o Código Penal pune a disseminação de notícias falsas.

O relatório assinala que na maioria dos países não há leis específicas sobre a desinformação, sendo o fenómeno tratado no âmbito dos códigos penais ou mesmo na constituição, o que não impede o combate à desinformação. A lista inclui Áustria, Bélgica, Bulgária, Eslováquia, Espanha, Finlândia, Alemanha, Hungria, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Polónia e Suécia.

NS // CC

Lusa/fim