É falso que a SIC tenha “censurado” a entrevista a um ‘youtuber’ espanhol em Torre Pacheco
Lisboa, 24 jul 2025 (Lusa Verifica) – A SIC não ‘censurou’ nem ‘escondeu’ uma entrevista a um ‘youtuber’ espanhol que esteve a cobrir um protesto em Torre Pacheco, Espanha. Parte das declarações foram incluídas numa reportagem.
Alegação: “a SIC censurou uma entrevista” a um ‘youtuber’ espanhol
Na segunda-feira, um ‘youtuber’ espanhol acusou a SIC de ter censurado uma entrevista feita com ele no dia 15, em Torre Pacheco, Espanha, durante um protesto contra a alegada insegurança na cidade. “O canal de televisão português SIC, que é uma espécie de ‘La Sexta’ em Portugal, fez-me uma curta entrevista e, como o meu discurso era completamente contrário ao oficial, não a publicaram”, afirma Adrián de Oliveira, autor do canal RescueYou.
A denúncia foi feita no canal secundário Rescue2You, onde o ‘youtuber’ partilha o vídeo do momento da entrevista (sugerida pelo próprio), com cerca de quatro minutos, e acrescenta que “os youtubers portugueses (...) não ficaram nada surpreendidos por não ter sido publicado”, alegando que a SIC apenas mostrou “o repórter a falar sobre ‘extrema-direita’ e ‘racismo’”: https://archive.is/an88x.
Dois dias depois, na quarta-feira, Marcus Santos, deputado do Chega, queixou-se no X, que “o canal de televisão português com tendência de extrema-esquerda, a SIC, foi até Torre-Pacheco, em Espanha, e teve contacto com a verdadeira realidade do que se passa por lá”, mas, “por razões ideológicas, são incapazes de transmitir esta entrevista” (https://archive.ph/6WtB0), escreve numa publicação na qual partilha um comentário de um apoiante do Chega, publicado na véspera no TikTok (https://archive.is/Srmko).
Pouco depois, o líder do Chega também partilhou o vídeo da entrevista nas redes sociais, numa mensagem a insinuar que aquelas imagens não tinham passado na SIC. “Aposto que isto foi escondido e não passou na televisão portuguesa…”, escreveu André Ventura no Facebook, Instagram e X, onde já soma mais de 900 mil visualizações: https://archive.ph/ZUsAy, https://archive.is/Vq5tq e https://archive.ph/hJZ1x (este útimo foi eliminado entretanto).
Seguiu-se, ao final do dia, o deputado Pedro Frazão, que partilhou a publicação de André Ventura, acrescentando: “A reportagem que nunca vi ser passada pela @SICNoticias… porque será?” (https://archive.ph/SHzmi e https://archive.ph/7Gpyl). Estes gestos, sobretudo o de André Ventura, mereceu um agradecimento do ‘youtuber’ no Instagram (https://archive.is/YQp4q).
Factos: a SIC exibiu parte da entrevista numa reportagem de mais de nove minutos
Uma consulta à página da SIC Notícias permite identificar todas os trabalhos assinados pela jornalista em causa, Conceição Ribeiro, e localizar três reportagens recentes realizadas em Torre Pacheco, Espanha, na sequência dos distúrbios espoletados por uma agressão a um morador idoso, por parte de um grupo de três marroquinos, um incidente que resultou em atos de violência contra migrantes: https://archive.is/eDTpQ.
Após visionamento, é possível verificar que as imagens da entrevista a Adrián de Oliveira foram de facto difundidas pela SIC, embora não integralmente. De facto, na reportagem exibida no sábado, dia 19, no Jornal da Noite da SIC, foram incluídos cerca de 30 segundos da dita entrevista: https://archive.ph/4PKlm (aos 03:36), incluindo referências ao trabalho de ‘youtuber’ e a partidos de extrema-direita.
Na reportagem da SIC, de nove minutos e 22 segundos, a jornalista ouviu 11 pessoas, sendo o excerto da entrevista a Adrián um dos quatro das que ocupa mais tempo, tendo a peça incluído testemunhos de todas as sensibilidades, incluindo moradores, migrantes, ‘youtubers’ e o autarca.
No vídeo integral publicado pelo ‘youtuber’, com cerca de 11 mil visualizações, cuja gravação também está incluída no directo de mais de quatro horas que fez em Torre Pacheco (https://archive.ph/xT9sQ), Adrián identifica-se como português, afirmando já ter vivido em Setúbal, explica ser autor do canal RescueYou e diz estar em Torre Pacheco apenas para “documentar de forma independente”, embora assuma que também pretende “apoiar a população devido à insegurança que sofre”.
Questionado pela jornalista da SIC sobre que registo tem dessa insegurança, Adrián de Oliveira partilhou um conjunto de ideias presentes no discurso xenófobo e racista contra os migrantes.
“Os refugiados e imigrantes ilegais estão a ser distribuídos por toda a Espanha. E isso causa problemas, problemas de segurança, porque são culturas incompatíveis, porque são pessoas que vêm ilegalmente, não conhecem a língua e não se adaptam. São totalmente opostos culturalmente a nós”, afirma.
Entre os exemplos de inadaptação aponta práticas de “mutilação genital feminina, cada vez mais agressões sexuais, violações e insegurança nas ruas” porque “estamos a importar certas culturas completamente arcaicas e incompatíveis com o Ocidente”. Queixa-se, também, que os menores estrangeiros não acompanhados (‘menas’) não são na verdade menores, nem refugiados, porque só vê ”homens adultos”, e entende que estes são temas que partidos como o Chega, o Vox, a AFD e outros não falam “por capricho, mas porque a população tem uma certa procura por estas questões.”
O mesmo Adrián de Oliveira foi acusado de ter acossado várias jornalistas presentes em Torre Pacheco, nomeadamente de órgãos públicos como a TVE e de estações que acusou de serem beneficiárias de subvenções públicas (https://archive.ph/nn7TB e https://archive.is/8qG2x). Aliás, no direto de mais de quatro horas, seguido por mais de 40 mil pessoas, o próprio admitiu que pretendia ‘trolear’ uma das jornalistas (primeiro vídeo nesta secção: https://archive.ph/xT9sQ, aos 22:10) e em diversas ocasiões filmou o peito de outra jornalista da Telecinco.
Foi também identificado por alguns desses órgãos de comunicação social como sendo um “agitador ultra” (https://archive.is/97jay), designação frequente nos media espanhóis, sobretudo relacionada com episódios recentes ocorridos nas conferências de imprensa do Congresso espanhol, onde Adrián é acusado de ser um dos elementos próximos da extrema-direita que perturbam o trabalho dos verdadeiros jornalistas parlamentares (https://archive.is/O1zef), razão pela qual foi recentemente revisto o regulamento do Congresso: https://archive.is/XS1Jc.
Contraditório:
Nas redes, o ‘youtuber’ nega ter acossado jornalistas (https://archive.ph/gQVZw) e em respostas escritas enviadas à Lusa Verifica mantém que “a entrevista foi censurada porque nunca foi publicada na SIC”. Diz, inclusive, que verificou “se a entrevista foi publicada na SIC depois de gravada, mas não foi, nunca foi publicada em lado nenhum.” Quanto à ligação a Portugal, explica que “vivia em Portugal quando tinha 7 anos” porque tem família portuguesa por parte do pai, daí o apelido Oliveira.
A Lusa Verifica também contactou a jornalista da SIC, que lamenta o que considera ser uma manipulação. “Nem o Adrián, nem qualquer elemento do Chega me contactaram. Não tenho também o hábito de valorizar comentários nas redes sociais - positivos ou negativos”, afirma Conceição Ribeiro.
Ainda assim, esclarece que “parte da entrevista em causa foi integrada numa peça exibida no dia 19, mas houve outras que não foram aproveitadas”, mas considera que “nada disso é censura”. “Trata-se da aplicação de critérios jornalísticos e da gestão do tamanho da reportagem”, porque “nem sempre é possível - por pertinência ou espaço - usar todas as entrevistas que fazemos”, esclarece.
Neste caso, a jornalista considerou “relevante abordar a questão da cobertura da situação por parte de vários canais de Youtube”, como o de Adrián, e lamenta “a falta de seriedade e eventual má fé das críticas", acrescentando que “a realidade desmente a manipulação.”
O gabinete do grupo parlamentar do Chega foi também contactado durante a manhã desta quinta-feira, mas a Lusa Verifica não obteve respostas. A única reação foi a eliminação do 'tweet' na conta de André Ventura no X, embora o mesmo conteúdo continue disponível noutras redes sociais do presidente do Chega.
Avaliação Lusa Verifica: Falso
É falso que a SIC tenha censurado uma entrevista a um ‘youtuber’ espanhol associado à extrema-direita, como denunciado pelo próprio e por vários dirigentes do Chega. A estação exibiu parte das declarações numa reportagem exibida no dia 19 de julho e que pode ser visionada online.
Luís Galrão