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É falso que alunos da Amadora foram “obrigados a vestir trajes islâmicos e a declamar poemas pró-Palestina”

Lisboa, 30 jun 2025 (Lusa Verifica) – É falso que alunos do 4.º ano da Amadora tenham sido “obrigados a vestir trajes islâmicos e a declamar poemas pró-Palestina numa suposta festa de finalistas”, como denunciou nas redes sociais o deputado do Chega, Rui Paulo Sousa.

Alegação: alunos da Amadora "obrigados a vestir trajes islâmicos e a declamar poemas pró-Palestina"

No sábado, o vice-presidente da bancada parlamentar do Chega, Rui Paulo Sousa, denunciou nas redes sociais, incluindo no X, que, "numa suposta festa de finalistas do 4.º ano, na Amadora, alunos são obrigados a vestir trajes islâmicos e declamam poemas pró-Palestina!" (https://archive.ph/40ZK4), um 'tweet' que já foi lido mais de 42 mil vezes.
O também candidato autárquico do Chega à Câmara da Amadora fez uma publicação idêntica no Facebook, já com quase 170 mil visualizações (https://archive.ph/npeHK), igualmente acompanhada pelo vídeo de 16 segundos que mostra algumas dezenas de alunos sentados no que parece ser um recinto desportivo, enquanto ouvem outro aluno explicar o objetivo da festa que marca "um ano cheio de aprendizagens, desafios superados e muitos momentos felizes".
Nas imagens, um dos grupos de alunos enverga panos pretos e brancos na cabeça, aparentemente alusivos aos 'keffiyeh', os tradicionais lenços árabes associados à luta nacionalista palestiniana, mas não se observa qualquer declamação de poemas, nem as imagens revelam tratar-se de uma escola na Amadora.
Antes de ser reutilizado pelo deputado do Chega, o vídeo foi também partilhado por várias contas ligadas à extrema-direita nacionalista, como a 'Resistência Lusitana', com a mesma narrativa de que os alunos foram "obrigados a vestir trajes islâmicos e a declamar poemas pró-Palestina", mas sem referência à Amadora, numa publicação que já ultrapassa as 213 mil visualizações (https://archive.ph/7CNjU).
O mesmo vídeo foi entretanto partilhado pelo líder do Chega, André Ventura, que também questiona a iniciativa, mas deixa cair a referência à Amadora.
"Isto é em Portugal. Os miúdos são obrigados a envergar trajes islâmicos e a recitar poemas pró-palestinianos. Em que se tornaram as nossas escolas? Querem ensinar-lhes liberdade ou a violência e a submissão?", lê-se num 'tweet' já com mais de 80 mil visualizações (https://archive.ph/aeiOx).

Factos: tratou-se de um gesto solidário de alunos do 3.º ano de uma escola de Ovar

Nos comentários das publicações foi possível encontrar vários alertas para o facto de o vídeo não corresponder ao afirmado, nomeadamente porque foi gravado numa escola de Ovar, distrito de Aveiro, e de não se ver qualquer símbolo religioso ou leituras de poemas pró-Palestina.
De facto, a publicação mais antiga com aquele vídeo identificada pela Lusa Verifica foi feita na sexta-feira, no X, por um utilizador que afirma ter assistido à iniciativa. "Vim à festa de finalistas da minha prima que vai passar do 4.º ano para o 5.º e deparei-me com isto", escreveu João Neves, que nesta rede social se identificava como "videógrafo de direita" (https://archive.ph/qVy1v). Esse 'tweet' contava já com mais de 250 mil visualizações antes de ser eliminado na tarde de domingo, 29 de junho.
Questionado por algumas contas nacionalistas na secção de comentários, o autor do vídeo explicou que as imagens foram gravadas "na escola primária do Outeiral, em Arada, Ovar" (https://archive.ph/00kgM) onde, alegadamente, "as professoras puseram os miúdos a ler poemas sobre a Palestina" (https://archive.ph/ND69g).
O Lusa Verifica geolocalizou as imagens através do Google Maps e confirma que foram gravadas no recinto da Escola Básica de Outeiral, na freguesia de Arada, concelho de Ovar, a cerca de 250 quilómetros da Amadora: https://maps.app.goo.gl/n6KCK1m9vnw5418N7.
Uma pesquisa no Facebook permitiu identificar a página da Associação de Pais da Escola do Outeiral (APEO), onde uma publicação de sábado (https://archive.ph/hixqn) revela que o grupo de alunos no vídeo representou o 3.º ano e a sua atuação (https://archive.ph/osGHB) incluiu a apresentação da canção "#SAYHI - Um Mundo Melhor", música inserida numa campanha europeia pela Paz e a Amizade (https://archive.ph/Ob2lM).
Nessas imagens, entretanto também eliminadas, não foi possível identificar qualquer traje religioso ou declamação de poemas pró-Palestina, mas os alunos envergavam panos com uma quadrícula preta e branca, numa aparente alusão ao povo palestiniano, embora o padrão não corresponda exatamente aos utilizados nos 'keffiyeh', que são lenços axadrezados árabes sem qualquer associação religiosa direta (https://www.britannica.com/topic/kaffiyeh e https://archive.ph/gKUFV).
Já nesta segunda-feira, a Lusa Verifica teve acesso a um terceiro vídeo da apresentação do 3.º ano onde se pode constatar que os alunos expressaram solidariedade para com as crianças palestinianas. "Foi um ano cheio de aprendizagens, brincadeiras, amizades e momentos felizes. Mas enquanto nós rimos e estamos juntos com as nossas famílias, há crianças como nós que não têm essa sorte. Na Palestina há muitos meninos e meninas que não podem ir à escola, que vivem com medo e que perdem as suas casas e até as suas famílias por causa da guerra. E eles também têm sonhos, também querem brincar, estudar e viver em paz como nós."
Nesta parte da apresentação os alunos leram apenas um poema sem qualquer conotação política ou religiosa. "Nesta festa quero deixar uma mensagem: não nos podemos esquecer deles. Mesmo que estejamos longe, podemos sentir no coração o que é justo. Podemos ser solidários, falar sobre isso e desejar um mundo melhor. A paz começa com pequenos gestos e hoje o nosso gesto é lembrar, sentir e desejar paz para todas as crianças do mundo. Vamos ouvir a turma do terceiro ano a declamar um poema intitulado "A Paz", de Sidónio Muralha" (https://archive.ph/MQxHi), ouve-se e vê-se nestas imagens disponibilizadas pela APEO.

Contraditório

Contactado pela Lusa Verifica, o autor do vídeo original diz-se surpreendido com o alcance da publicação e descontente com o "aproveitamento político" que acabou por ter. "Vi-os vestidos daquela forma e filmei para partilhar com alguns amigos, porque não concordo com aquilo, mas não contava que fosse viral", explica João Neves.
O ex-aluno daquela escola admite que as crianças "leram uns textos de solidariedade com a Palestina, mas textos de criança, nada político" e considera que "foi um erro" ter divulgado o vídeo. Quanto às publicações do deputado, João Neves defende que "o deputado devia admitir que está a mentir e que tentou usar o vídeo em seu benefício".
A associação de pais (APEO) mostra a mesma surpresa e descontentamento. "É uma deturpação dos factos que lamentamos e repudiamos, mas não podemos fazer muito mais. Os miúdos fizeram uma encenação sobre a paz que os pais sabiam que ia acontecer e na qual colaboraram - eu, por exemplo, cedi aqueles tecidos axadrezados para os miúdos usarem naquela espécie de teatro por um mundo mais justo", afirma Márcio Pereira.
O presidente da APEO, pai de um dos alunos intervenientes, explica que a associação decidiu apagar o vídeo e as fotos da atuação do 3.º ano "para evitar mais problemas". Entretanto, ao final da manhã de hoje, a APEO publicou um alerta no Facebook sobre a "utilização da imagem da escola de forma manipulada e com conteúdo odioso", uma nota de repúdio que reafirma "o compromisso com a paz e o respeito" (https://archive.is/3rNJh).
Por seu lado, o deputado Rui Paulo Sousa, explica que foi induzido em erro quanto à localização, mas afirma que irá manter as publicações: "A primeira vez que encontrei o vídeo nas redes sociais, num dos primeiros comentários, identificaram o mesmo como ter sido gravado numa escola da Amadora. (...) Nunca o afirmei como facto comprovado, mas vou manter o vídeo online devido ao seu caráter informativo sobre uma situação que está a acontecer publicamente em Portugal."
Num conjunto de respostas enviadas por escrito na tarde de domingo, o deputado do Chega reitera que "os Keffiyeh usados pelos alunos" são trajes islâmicos e que não faltou à verdade. "Eu não menti, o vídeo que eu saiba é verdadeiro, nunca afirmei categoricamente que foi filmado na Amadora e deixei claro que o objetivo da sua publicação era chamar a atenção sobre uma situação que aconteceu numa escola pública"
Rui Paulo Sousa afirmou ainda que vê "benefício" na publicação do vídeo nas suas contas nas redes sociais, onde já conta com centenas de milhares de visualizações, para "chamar a atenção para uma situação pública que envolveu as nossas crianças numa situação de caráter religioso, político e de doutrinação", situação que "não é admissível num estabelecimento de ensino de um estado laico e democrático."
Já a coordenadora da Escola do Outeiral diz-se "chocada com a forma completamente descontextualizada" com que as imagens foram usadas. "Estamos todos indignados porque foi uma festa bonita da qual até saímos emocionados e agora vemos parte da festa estragada com este incentivo ao ódio nas redes sociais", lamenta a professora Margarida Fernandes.
A docente explica que a iniciativa não teve qualquer objetivo político-partidário: "O tema genérico era a proteção do planeta Terra e uma das turmas trabalhou o tema da paz, porque não basta ensinar português e matemática, também trabalhamos o que se passa no mundo, sempre sem partidarismos. E ninguém obrigou ninguém, até porque foi tudo feito em parceria com a associação de pais".

Avaliação Lusa Verifica: Falso

Apesar de ser um vídeo verdadeiro, a Lusa Verifica conclui que é falso que alunos do 4.º ano de uma escola da Amadora tenham sido obrigados a vestir trajes islâmicos e a declamar poemas pró-Palestina, como afirmou o deputado do Chega, Rui Paulo Sousa, e outras contas.
As imagens que circulam nas redes sociais de forma descontextualizada, sobretudo em contas ligadas à extrema-direita nacionalista, não têm qualquer relação com a Amadora nem a verificação de factos sobre a origem do vídeo revelou qualquer atividade obrigatória com a utilização de trajes religiosos ou a declamação de poemas pró-Palestina ou de qualquer outra mensagem política.

Luís Galrão