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Media têm desafio de “entender” ecossistemas de realidades alternativas – Bellingcat

Lisboa, 16 jan 2021 (Lusa) - O fundador do projeto de jornalismo de investigação 'online' Bellingcat disse, em entrevista à Lusa, que os media têm como desafio "entender" os ecossistemas de realidades alternativas, considerando que a resposta à desinformação "tem sido focada em atores externos".

Questionado sobre qual o desafio dos órgãos de comunicação social, em termos de combate à desinformação, a médio prazo, Eliot Higgins disse que é "entender que tipo de ecossistemas de media" existem, aquelas que assentam em realidades alternativas.

Os media "não entendem comunidades como o QAnon [teoria da conspiração de extrema direita, cujos membros estiveram envolvidos na invasão ao Capitólio nos EUA]" e "isso será um grande problema", acrescentou o responsável pelo projeto que faz investigação recorrendo a fontes abertas.

"Você pensa apenas na desinformação como algo doido que as pessoas fazem e não entende realmente a estrutura por trás dessa loucura, ou pensa que é algo sobre a Rússia", prosseguiu.

Eliot Higgins considera que o fenómeno da desinformação passa também pelo tipo de resposta, "que tem sido focada em atores externos".

Ou seja, "o foco é na Rússia, no que a Rússia está a fazer, as eleições norte-americanas de 2016, o Brexit", exemplificou.

"Na verdade, acho que o que é verdadeiramente esquecido é que existem estas comunidades 'online' que criam realidades alternativas por si mesmas e elas existem" e "são muito difíceis de alcançar" porque têm 'sites' e comentadores que concordam com elas, "que têm 'podcasters' a dizer que estão certos", salientou.

Tratam-se de comunidades de "que de alguma forma se sentem traídas na sua vida e perderam a fé na política, nos media ou no que quer que seja" e encontram estas "comunidades alternativas que apresentam uma visão alternativa do mundo" através dos algoritmos criados pelas redes sociais que as direcionam automaticamente, refere.

Aliás, "muitas destas pessoas já pensavam que a Terra era plana", por exemplo, ideia que depois é reforçada quando integram estas comunidades 'online', salientou ainda.

No caso dos EUA, "Trump não rejeita o QAnon porque também são eleitores republicanos", sublinhou.

"Estes são exemplos" de comunidades de realidades alternativas que existem e "não se trata do que a Rússia está a fazer", apontou, e a "Internet está cercada por isso".

Através destes "pontos fortes conectados reúnem-se todas estas diferentes pessoas com diferentes pontos de vista conspiratórios, mas estão todos preparados para acreditar ainda mais nestas coisas", expondo-as "a toda uma rede de desinformação que existe 'online'".

Mas o "pior é que não veem isso como desinformação, mas sim como uma forma de tentar encontrar a verdade", ou seja, "eles não pensam que estão a divulgar a desinformação, mas antes a espalhar a verdade", prosseguiu Eliot Higgins.

"E é aqui que se torna realmente perigoso e como podemos neutralizar isso", questionou, apontando que se pode fazer o 'fact-check' que se quiser, mas se as pessoas "têm 100 'websites' que podem visitar e que lhes dizem que estão certas", então a verificação de factos não terá impacto.

Enquanto sociedade conectada através da Internet é preciso "lidar com isso porque só vai piorar, nunca melhorar", alertou.

Da parte dos governos, Higgins considera que não estão a lidar de forma errada.

"A forma como estão a lidar atualmente é apontando para a Rússia e sobre o que os russos estão a fazer. E isso não é o problema. Basicamente entenderam mal o problema", considerou, e o exemplo disso é o que se está a passar na sociedade norte-americana.

"As teorias da conspiração servem de combustível", apontou, referindo que os jornalistas "como figuras de autoridade" são rejeitadas por estas comunidades de realidade alternativa porque fazem parte "desse sistema dominante que os traiu no passado".

Trata-se fundamentalmente de uma guerra sobre o que é a verdade: "As pessoas de ambos os lados acreditam que são realmente eles que encontram a verdade".

O fundador do Bellingcat considera que os media "não mergulham a fundo" sobre este tipo de comunidades, mas apenas "veem no fim os resultados".

No fundo, "têm um leve entendimento dessas comunidades, mas não entendem o que está realmente por trás disso", referiu.

Por isso, "precisamos de pessoas que passem todo o seu tempo na Internet para realmente traduzir o mundo a este tipo de pessoas", concluiu.

 

Alexandra Luís