Ordem dos Jornalistas guineenses recorda que ‘fake news’ nasceram com luta de libertação
Bissau, 13 fev (Lusa) - O bastonário da Ordem dos Jornalistas da Guiné-Bissau, António Nhaga, afirmou que o fenómeno das notícias falsas no país está diretamente ligado à independência do país, porque as 'fake news' foram elementos de sustentabilidade da luta armada.
"A independência do país foi conseguida em parte com 'fake news'. As 'fake news' sempre existiram na Guiné-Bissau. Provavelmente, a Guiné-Bissau é campeã de 'fake news'", que "não nasceram com as redes sociais ou o sistema mediático contemporâneo, a meu ver sempre foram elementos de sustentabilidade da nossa luta de libertação", disse em entrevista à Lusa o também professor universitário.
Para António Nhaga, o jornalismo guineense nasceu sempre com a existência de notícias falsas e acabou por ser "potenciador de boatos e mentiras".
"Este é que é o sistema mediático guineense. Se olharmos para a classe política ou sociedade política é campeã no Facebook dos 'fake news'", sublinhou o bastonário à Lusa sobre esta realidade das notícias falsificadas, a propósito da conferência que a agência e a Efe vão realizar no dia 21 de fevereiro, em Lisboa, sobre "O Combate às Fake News - Uma questão democrática".
Durante a guerra com Portugal, os jornais da oposição distribuíam muitos conteúdos falsos numa estratégia de intimidar e aumentar o impacto das vitórias do movimento de libertação.
Segundo António Nhaga, o sistema mediático "potencia boatos e mentiras e não tem capacidade de verificação", até porque, acrescentou, o Governo "não tem uma política de comunicação" e não há um sistema de produção de conteúdos de qualidade.
"O que acontece na Guiné-Bissau é empolar as coisas, porque não há capacidade para verificar as coisas. O sistema guineense não está minimamente preparado", disse.
Por outro lado, a sociedade guineense, salientou o bastonário da Ordem dos Jornalistas, conhece o fenómeno, "mas não tem noção da gravidade, porque a sociedade política é a autora" desses mesmos conteúdos.
"O cidadão guineense não tem a capacidade de decifrar as consequências deste fenómeno. As 'fake news' são uma consequência do próprio sistema democrático, faz parte da liberdade de expressão, há aqui uma embrulhada que o cidadão guineense ainda não conseguiu ter noção, porque olha para isto como uma componente da liberdade de expressão", disse.
Para António Nhaga, a preocupação reside no facto de nenhuma sociedade democrática se desenvolver de uma forma pacífica e conciliadora com notícias falsas e por isso a "Guiné-Bissau está como está".
"A nossa imprensa é potenciadora de boatos e falsidades e isso é o problema", afirmou.
O bastonário disse também que o fenómeno não é uma prioridade dos decisores políticos, porque não interessa, mas defendeu a necessidade de ser definido o que é interesse público.
"Deve haver instrumentos internos. O Estado da Guiné-Bissau precisa de regulamentar a produção de conteúdos e convergir a ética informativa e jornalística. O que assistimos na Guiné-Bissau é ao ativismo político e jornalístico", afirmou.
"Nós todos mentimos e achamos que temos o direito de mentir e isso é que é gravíssimo, porque todos acham que têm o direito de mentir em nome da liberdade de expressão. Estamos perante a manipulação da imprensa, com a criação de condições próprias para promover o boato e a mentira. 90% do que passa na Guiné-Bissau é mentira", sublinhou, acrescentando que as democracias não funcionam de facto em países de notícias falsas.
As notícias falsas comummente conhecidas por 'fake news', desinformação ou informação propositadamente falsificada com fins políticos ou outros, ganharam importância nas presidenciais dos EUA que elegeram Donald Trump, no referendo sobre o 'Brexit' no Reino Unido e nas presidenciais no Brasil, ganhas pelo candidato da extrema-direita, Jair Bolsonaro.
O Parlamento Europeu quer tentar travar este fenómeno nas eleições europeias do final de maio.
Isabel Marisa Serafim (texto) e Júlio Oliveira (vídeo)