Jornalistas africanos sofreram pressões durante anos agora sentidas por ocidentais – Rodney Sieh
Londres, 02 nov (Lusa) - O jornalista liberiano Rodney Sieh afirmou hoje, em Londres, que a comunicação social ocidental está a confrontar-se com pressões e represálias sofridas pela imprensa africana durante décadas e avisou que as redes sociais são uma nova ameaça.
"Infelizmente, o medo que jornalistas como eu têm de enfrentar está agora a alastrar. Jornalistas nos EUA e outros países ocidentais estão agora, na era de Donald Trump, na primeira fila para ver aquilo que temos vivido ao longo dos anos", afirmou hoje numa palestra no Instituto Real de Relações Internacionais, na capital britânica.
O fundador e diretor do diário FrontPage Africa referiu o homicídio do jornalista saudita Jamal Khashoggi no consulado da Arábia Saudita em Istambul e a morte de três jornalistas russos enquanto investigavam uma empresa militar fantasma na República Centro Africana como alguns dos casos que ilustram o perigo de ser jornalista.
"Em África, a eleição de Donald Trump criou uma nova dimensão, onde alguns líderes passaram a chamar a jornalistas críticos 'inimigos do país' e notícias desfavoráveis 'fake news'", denunciou.
Sieh teve de sair do país em 1990 após o início da guerra civil, cujos massacres cobriu, e refugiou-se na Gâmbia, onde trabalhou para a BBC e para o jornal Daily Observer, propriedade do tio.
As reportagens sobre desaparecimentos e mortes na sequência do golpe de Estado de Yahya Jammeh levaram-no a procurar exílio em Londres em 1994 e, mais tarde, nos EUA, onde trabalhou para a imprensa norte-americana.
Em 2005, criou o FrontPage Africa, primeiro numa versão eletrónica, e em 2007 regressou à Libéria, onde lançou uma versão impressa.
Sieh relatou hoje os desafios de um jornal africano, cujos escritórios foram alvo de bombas incendiárias e que tem de manter um gerador a trabalhar por causa da instabilidade da eletricidade, além das ameaças regulares de violência ou de ações judiciais.
Mesmo assim, já foi capaz de produzir reportagens com impacto, como aquelas feitas por Mae Azango sobre a mutilação genital feminina realizada clandestinamente a menores, entretanto proibida pela Presidente, Ellen Johnson Sirleaf, e depois sobre a prostituição nas ruas de Monrovia.
Em 2013, Sieh foi condenado ao pagamento de 1,5 milhões de dólares (1,32 milhões de euros) de indemnização ao antigo ministro da Agricultura por publicar uma notícia que citava um relatório oficial dando conta do desaparecimento de seis milhões de dólares (5,3 milhões de euros) daquele ministério.
A recusa em pagar resultou numa sentença de 5.000 anos na prisão, da qual cumpriu quatro meses, até ser libertado graças à pressão internacional.
O livro que hoje lançou em Londres, intitulado "Jornalismo em julgamento: Lutar contra a corrupção, o amordaçamento da comunicação social e uma sentença de 5.000 anos na Libéria", pretende chamar a atenção para esta realidade.
Porém, Rodney Sieh alertou para um novo perigo, o das redes sociais e das ameaças que são feitas aos jornalistas por causa das notícias que publicam.
"As pessoas não levam as ameaças aos jornalistas nas redes sociais a sério, mas é um novo fenómeno global", alertou.
BM // JH
Lusa/fim