‘Media’ turcos em perda de credibilidade por submissão ao poder — estudo
Ancara, 22 fev 2019 (Lusa) -- A submissão dos 'media' turcos ao poder motivou o alheamento e perda de confiança da sociedade, com crescente número de jornais e cadeias de televisão e rádio a funcionarem como simples máquinas de propaganda, refere a agência noticiosa Efe.
"Mais de 75% dos periódicos estão controlados por grupos mediáticos pró-governamentais. Se incluirmos televisão e rádio, a percentagem é de 90%", considera Mesut Uyan, autor da tese de doutoramento "Os 'media' turcos sob o Governo do AKP", o partido que dirige o país desde 2002, em declarações à Efe.
Atualmente, 17 diários de tiragem nacional, que vendem cerca de dois milhões de exemplares diários, pertencem a empresas próximas do poder, enquanto que seis diários que poderiam considerar-se opositores vendem perto de 400.000 cópias.
Desde há vários anos tornou-se habitual que oito ou nove diários publiquem exatamente o mesmo título com a mesma citação retirada de um discurso do Presidente do país e líder do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), Recep Tayyip Erdogan.
Nas últimas semanas, um dos grandes temas em debate no país tem sido o aumento dos preços dos produtos vegetais, que Erdogan qualificou de "terrorismo" e ao qual atribui a uma conspiração de "especuladores".
Os canais de televisão e as capas dos jornais foram preenchidas por histórias sobre a "boa decisão" do Governo em abrir postos municipais onde se vendem estes produtos a um preço mais reduzido.
No entanto, assinala a Efe, poucos 'media' contaram a outra parte da história, a dos cidadãos que têm de esperar horas na fila para comprar dois quilos de tomates, ou a dos produtores descontentes com esta intervenção estatal.
Rasit Kaya, fundador do programa de estudos de Comunicação e cultura da Universidade Técnica do Médio Oriente, explicou à Efe que pelo menos metade dos turcos considera como mentiras o que leem e veem nos 'media' do país.
Esta perceção não se refere à situação de considerarem que as notícias foram inventadas, mas antes por reproduzirem sobretudo os discursos políticos que os inquiridos consideram falsificação da realidade.
Kaya considera que os 'media' turcos perderam a função de "quarto poder" que a teoria política liberal concede aos 'media' e passaram a ser encarados como "grandes máquinas de propaganda".
Desde as acusações de colaboração da oposição social-democrata com a guerrilha curda, até à associação da queda da lira turca em 2018 com um ataque estrangeiro, numerosos 'media' limitaram-se a reproduzir as mensagens de Erdogan sem qualquer análise ou crítica.
No domingo, exemplifica a Efe, Erdogan assegurou em Afyonkarahisar que o seu Governo tinha fundado a Universidade da cidade, um centro que abriu em 1992, dez anos antes da chegada do seu partido ao poder.
Todos os 'media' pró-governamentais reproduziram esta afirmação sem qualquer comentário.
Neste cenário, a televisão pública TRT tem sido objeto de duras críticas pela ausência de pluralismo. Assim, durante a campanha para as eleições presidenciais e legislativas de junho de 2018 dedicou 36 horas a informações sobre o AKP, enquanto o social-democrata Partido Republicano do Povo (CHP), principal força da oposição, foi contemplado com apenas três horas.
O Partido Democrático dos Povos (HDP, esquerda e pró-curdo), terceira formação no parlamento de Ancara, não recebeu sequer um minuto.
"Esta esclarecedora unilateralidade e falta de liberdade de imprensa são a principal razão da perda de confiança nos 'media'", assinala o académico Rasit Kaya.
As principais cadeias televisivas privadas também transmitem em direto todos os discursos de Erdogan, e que em períodos de campanha eleitoral, com três comícios diários, podem ocupar grande parte da grelha informativa.
Em declarações à Efe, sob anonimato, um editor de uma televisão pró-governamental reconhece que, a partir da Presidência, "se vigiam de perto as notícias" que elaboram.
"Temos muito cuidado em evitar irritá-los. Independentemente do que disser Erdogan, damos a informação com um título que diz "Mensagem importante do Presidente", admite.
A ONG Repórteres sem fronteiras (RSF) coloca a Turquia no 157.º lugar em termos de liberdade de imprensa e contabiliza 27 jornalistas presos, apesar de algumas plataformas turcas elevarem este número para 137, incluindo colunistas e colaboradores, já condenados ou em prisão preventiva.
Pedro Caldeira Rodrigues